"Inferno", Anónimo do séc. XVI, Museu Nacional de Arte Antiga
São duas da manhã e os bares estão a fechar. Ainda conseguimos comprar uma bebida e vamos para a rua, caminhando devagar em direcção às senhoras dos rissóis. Mais o apetite que a fome empurra-nos para aquela porta onde as três senhoras montam guarda nocturna: uma mostra os rissóis e os croquetes às escondidas, a outra faz o troco e a terceira perscruta a rua com o olhar conhecedor, não vá o diabo estar escondido atrás da esquina. Os rissóis estão ainda mornos, deliciosos. Passa um potencial comprador mas o sinal já foi dado, eles andam por perto e o produto está escondido atrás da porta: "Volte mais tarde". Uns minutos mais tarde parece que eles já se foram e o negócio escuro reabre, às escuras, e se pedirmos um croquete a senhora volta a abrir o embrulho e a mostrar o produto, como se fosse pó branco ou um fio de ouro roubado. Ela sabe que os seus fritos são frutos proibidos. Mas eis que o diabo agora aparece, com o rabo bem escondido, nem uma pontinha de fora, e a sentinela não chega a tempo de dar o alarme. A mercadoria é apreendida, há quem se insurja, toca tudo a identificar-se, eles também antes queriam estar a beber um copo que ter de trabalhar de madrugada, já estão ao serviço há dezasseis horas, a apreender rosas, geleiras, haxixe falsificado, têm um arsenal de material confiscado na viatura e só estão a cumprir ordens. Ficamos esclarecidos, continuando a ignorar, porém, que mal fizeram os saborosos e nutritivos rissóis.