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É difícil contar em poucas palavras as emoções que sentimos ontem no Teatro de São Carlos. Casa cheia para celebrar os vinte e cinco anos de carreira de Elisabete Matos e ouvir um programa raro. Raríssimo, em qualquer parte do Mundo, como disse a Maestra Enza Ferrari após o concerto, ainda com os olhos húmidos e a voz embargada.
Elisabete Matos escolheu um programa extenso e exigente, composto por cenas e algumas árias de quatro óperas de grande peso na sua carreira, em vez da mais fácil sucessão de árias célebres de óperas diversas. Para isso convidou alguns amigos, ao lado de quem tem pisado muitos palcos, como Aquiles Machado e Juan Pons, o enorme barítono menorquino que recentemente se despediu dos palcos no Liceu de Barcelona. De cá, não podiam faltar Carlos Guilherme e Elvira Ferreira, com quem Elisabete se estreou. E a reacção do público foi muito sentida quando eles entraram no palco, primeiro Carlos Guilherme, em "Macbeth", depois Elvira Ferreira, como Liù em "Turandot". Oportunidade rara também para eles. Se não estou enganado, Elvira Ferreira não cantava no Teatro de São Carlos desde a última "Turandot" que lá houve, quando a sua Liù deixou o Teatro em lágrimas. (Actualização: Elvira Ferreira cantou a Liù em 2004 e a Berta, d'O Barbeiro de Sevilha, em 2006.)
O concerto começou com "Le Cid", ópera que Elisabete cantou com Plácido Domingo em Sevilha e em Washington. Ouvimo-la, a abrir o festival de emoções fortes, com Dora Rodrigues, no dueto de Chimène com a Infanta, depois na ária Pleurez! pleurez mes yeux e no dueto com Rodrigue. Aquiles Machado encerrou a primeira secção com Ô souverain, ô juge, ô père.
Seguiram-se cenas de "Macbeth". Elisabete Matos estreou-se na Ópera do Reno, em Estrasburgo, com o papel de Lady Macbeth. Além da sua ária La luce langue e do Brindisi, ouvimos também os solos de Carlos Guilherme e de Juan Pons.
Na segunda parte veio Puccini e a esperada "La Fanciulla del West", a ópera da estreia de Elisabete no Met: Laggiù nel Soledad e a cena do II acto com Aquiles Machado (Dick Johnson) e a participação de Sofia Pinto como Wowkle.
A fechar o programa operático, naturalmente, "Turandot". Sónia Alcobaça entrou com Signore ascolta, depois Elisabete Matos surgiu ao fundo do palco, por trás do coro, e daí lançou In questa reggia e a subsequente cena dos enigmas para o Calaf de Aquiles Machado. Aqui tivemos também a presença de Francisco Reis como Imperador Altoum e a participação do Coro Juvenil de Lisboa (mil vezes perdão ao Coro Juvenil de Lisboa, a quem, por lapso, eu tinha chamado Infantil - um coro de grande qualidade, note-se), dirigido por Nuno Lopes. Como sói dizer-se, a casa veio abaixo. Elvira Ferreira cantou a morte da sua Liù e Aquiles Machado fechou com Nessun dorma.
Criando um ambiente inesperadamente mais intimista, Elisabete Matos reapareceu com Sofia Pinto, Enza Ferrari, a Maestra, e o Coro Juvenil de Lisboa, para encerrar a noite com uma comovente homenagem ao pai: Papa, can you hear me?
O ambiente estava ao rubro. Raramente se vê um entusiasmo do calibre do de ontem à noite no Teatro de São Carlos. Pela parte do público e pela parte da Orquestra Sinfónica Portuguesa e do Coro do Teatro Nacional de São Carlos, totalmente galvanizados por Elisabete Matos e com a direcção seguríssima de Miquel Ortega, que já tinha vindo a Lisboa a convite seu, aquando do também inesquecível Concerto de Ano Novo de 2012. A Gala de ontem ficará também seguramente na memória de todos os que lá estiveram. Um privilégio, poderá dizer-se, já que, mais uma vez, as câmaras de televisão não se dignaram aparecer para que o concerto pudesse ser visto em todo o país. Um privilégio também para os cantores portugueses convidados, os menos jovens e os que estão a dar os primeiros passos. Como disse Elvira Ferreira, a responsabilidade de cantar num concerto como o de ontem era enorme, porque não é todos os dias que uma cantora como Elisabete Matos comemora vinte e cinco anos de carreira.
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