21.3.10

Orpheu


SALOMÉ

Insónia rôxa. A luz a virgular-se em mêdo,
Luz morta de luar, mais Alma do que a lua...
Ela dança, ela range. A carne, alcool de nua,
Alastra-se pra mim num espasmo de segrêdo...

Tudo é capricho ao seu redór, em sombras fátuas...
O arôma endoideceu, upou-se em côr, quebrou...
Tenho frio... Alabastro!... A minh'Alma parou...
E o seu corpo resvala a projectar estátuas...

Ela chama-me em Iris. Nimba-se a perder-me,
Golfa-me os seios nus, ecôa-me em quebranto...
Timbres, elmos, punhais... A doida quer morrer-me:

Mordoura-se a chorar - ha sexos no seu pranto...
Ergo-me em som, oscilo, e parto, e vou arder-me
Na bôca imperial que humanisou um santo...


Mário de Sá-Carneiro (no primeiro número da revista "Orpheu", publicado a 21 de Março de 1915)


Biblioteca Nacional Digital [PDF], Calaméo (versão moderna)