16.7.10

Ao Largo - II

O Festival ao Largo é um sucesso. Com os espectáculos a começarem quase sempre às dez da noite, pelas nove e meia já é difícil encontrar uma cadeira livre e as ruas à volta do Largo de São Carlos começam a encher-se. Mesmo quando as temperaturas baixam e o vento sopra mais forte, o público mantém-se firme e não arreda pé. Não será um fenómeno, mas antes uma prova de que existe muito boa gente que prefere ouvir música ao vivo a ficar em casa aconchegada. Gente que frequentaria certamente as salas de concerto se pudesse pagar os bilhetes. Velhos, novos, com o cão, com as crianças, todos vão Ao Largo e aderem sem preconceitos aos espectáculos.
Os concertos não têm sido todos excelentes. No entanto, tem havido música para quase todos os gostos e é de louvar que se ponha a prata da casa a tocar e a cantar, dando aos artistas a oportunidade de serem ouvidos por uma quantidade considerável de espectadores. A amplificação das vozes, por vezes, é um problema. Torna-as demasiado audíveis e põe em evidência as suas fraquezas, principalmente quando são acompanhadas ao piano.
Das minhas noites Ao Largo, destaco o concerto com a Orquestra Gulbenkian dirigida por Joana Carneiro (já mencionado aqui e aqui), a Noite Mozart, em que Ana Quintans provou estar no bom caminho (seria bom podermos vê-la no Teatro de São Carlos), e a apresentação dos espectáculos por Jorge Rodrigues, que nos predispõe para a música tal como fazia no Ritornello.
A noite de ontem, dedicada a Germana Tânger, foi memorável. Após a interpretação de "Langsamer Satz", de Anton Webern, pelo Quarteto Vianna da Motta, João Grosso representou o poema "Manucure", de Mário de Sá-Carneiro, como ele nunca tinha sido ouvido e visto antes. Finalmente Germana Tânger subiu ao palco e ali ficou, sentada, encantadora, a contar-nos histórias como se fôssemos íntimos de lá de casa. Aos 90 anos, lindíssimos, comoveu-nos com Sophia e com "Caranguejola", também de Sá-Carneiro:
- Ah, que me metam entre cobertores,
E não me façam mais nada...
Que a porta do meu quarto fique para sempre fechada,
Que não se abra mesmo para ti se tu lá fores!
(continuar a ler)