Disseram-me que em Lisboa fez sol mas, em Oviedo, o dia 30 de Janeiro trouxe uma chuva fininha à moda da Irlanda, saudando Isolda, como que dizendo-lhe "estás em casa".
Para quem tem acompanhado a carreira de Elisabete Matos não será surpresa que ela vista agora a pele da princesa irlandesa, rainha das personagens femininas wagnerianas. No final do I acto já as lágrimas assomavam aos nossos olhos e, de voz embargada e frases atabalhoadas, tentávamos exprimir sentimentos contraditórios de felicidade e frustração. Felicidade por estarmos a assistir a uma récita memorável, frustração por não haver actualmente um teatro em Portugal que possa montar uma produção daquele nível, com cantores de primeira água. O Campoamor de Oviedo, que não tem os meios do Liceu de Barcelona nem do Real de Madrid, consegue-o. Bravo!
Em tempo de crise, em vez de manter a planeada nova produção de "Lohengrin", o teatro conservou os cantores contratados e
repôs a encenação de "Tristan und Isolde" por Alfred Kirchner.
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Elisabete Matos e Robert Dean Smith (I acto) |
A produção de Kirchner tem alguns efeitos cenográficos visualmente bonitos e sugestivos e não altera o sentido à história. Em alguns momentos Tristão e Isolda aparecem-nos em duplicado: enquanto os cantores cantam, dois actores representam cenicamente o
alter ego de cada um deles, como se vê na imagem do
post anterior, o que por vezes resulta interessante mas pode tornar-se também num factor de distracção.
A Orquestra do Principado das Astúrias, não possuindo propriamente dimensões wagnerianas, teve uma prestação notável, dirigida por Guillermo García Calvo, um jovem maestro espanhol de 32 anos que já foi assistente de Thielemann em Bayreuth.
Dos cantores, na generalidade bons, da Brangäne de Petra Lang ao Rei Marke de Felipe Bou, o primeiro destaque vai para o excelente Kurwenal de Gerd Grochowski, repetindo em Oviedo o papel que cantou no Scala para Barenboim, com Waltraud Meier e Ian Storey, na encenação de Patrice Chéreau.
O experiente Robert Dean Smith deu-nos um Tristão lírico, muito bem no I acto e no sublime dueto de amor do II acto. Para os tenores, o III acto de Tristan é um dos mais exigentes da História da Ópera. Além de extenso, requer uma voz heróica que suporte todo aquele sofrimento: ferido de morte, Tristão espera ansiosamente, entre delírios e pesadelos, a chegada de Isolda. Dean Smith foi muito convincente e comovente, embora eu prefira uma voz mais heróica que a dele.
E eis-nos agora chegados ao que nos levou a Oviedo: a primeira Isolda de Elisabete Matos. Dei comigo a pensar se Elisabete Matos não terá andado a esconder ao Mundo que não tem feito mais nada nos últimos tempos senão cantar Isolda. Segundo as suas próprias palavras, uma coisa é cantar, outra é cantar Isolda. Subscrevo. E Elisabete foi Isolda do princípio ao fim. Sem um tremor, sem uma hesitação, atacou
Wie lachend sie mir Lieder singen com toda a segurança e deu-nos um monumental
Mir laaaaaaacht das Abenteuer e um fulminante
Tod uns beiden. Às dificuldades do dueto do II acto chamou amendoins e reapareceu no final do III acto para morrer de amor e seguir a luz do seu Tristão, com uma frescura e uma beleza vocal impressionantes. Aposto que Elisabete trazia um par de
sapatos muito confortáveis.
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Elisabete Matos e Robert Dean Smith (III acto) |
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