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Sir Derek Jacobi (©) |
NOTAS DE LONDRES
Não chego ao extremo do Professor Rosado Fernandes, que afirma não ver teatro em Portugal, mas o facto é que nos últimos tempos não tenho ido muito ao teatro no nosso país, por questões de tempo, de datas, sei cá eu (mas o que eu gostei d’A Cacatua Verde no Nacional!). Tive, porém, a oportunidade de visitar Londres em viagens absolutamente centradas em representações teatrais. Uma foi há cerca de um ano, quando fui ver Judi Dench fazer a Titania num Midsummer Night’s Dream encenado por Peter Hall. Bem, só te posso dizer que foi um sonho. Nunca me hei-de esquecer, por mais que viva, o modo com que Judi Dench lançou, ouvindo os zurros de Bottom, a frase: What angel wakes me from my flowery bed?
Agora regressei a Londres apenas para ver o King Lear de Derek Jacobi, um dos actores de que mais gosto no tempo presente. Fui na sexta, dia 1, vi no sábado, dia 2, e regressei no domingo, dia 3. Não vale a pena dizer-te como o homem fez o papel: a entrada antológica na grande cena da tempestade; a impaciência violenta e febril com que passa a escutar as filhas Regan e Goneril a partir do momento em que percebe a pouca vergonha das criaturas; o grande Monólogo final, com Cordelia nos braços; foi uma representação e tanto! A encenação não tinha qualquer espécie de cenário, a não ser a própria caixa de palco, digamos assim, cenografada. Era um espaço do palco totalmente vazio, onde evoluíam os personagens. Apenas no último acto era colocada uma cadeira, uma, em cena. Eficaz! Fantasticamente eficaz! Recordei a frase de Lawrence Olivier: para acontecer grande teatro bastam apenas um bom texto e um bom actor.
O que te quero contar porém é que depois do espectáculo fui falar com Derek Jacobi e lhe disse, de caras, que tinha chegado no dia anterior de Portugal, que partiria no seguinte, e que fizera a viagem só para o ver naquele papel. O homem ficou “louco” e começou a despejar recordações portuguesas: que tinha cá vindo apenas em passeio, há largos anos; que se tinha sentido muito só; que tinha conseguido visitar por dentro o Teatro Nacional; e depois, aos pulos de felicidade, que foi a casa da Amália Rodrigüez e que ela cantou só para ele. Assim, de repente, ficou aos pulos como uma criança, e apenas porque Amália lhe cantou um fado, aquele homem com setenta e dois anos que acabara de interpretar um dos mais tremendos papeis da história do teatro ocidental.
O facto deixou-me tão feliz. Nem imaginas. A nossa Amália!!!
Jorge Rodrigues