1.11.07

Voltaire e Lisboa - Candide

(Gravura de Eduardo Portugal, Arquivo Municipal de Lisboa)

A Ópera do Tejo (Teatro Real da Ópera) terá sido um dos mais sumptuosos teatros europeus na época da sua construção. Inaugurada na Primavera de 1755, poucos meses depois estava transformada em ruínas.





Ô malheureux mortels! ô terre déplorable!
Ô de tous les mortels assemblage effroyable!
D'inutiles douleurs éternel entretien!
Philosophes trompés qui criez: "Tout est bien"
Accourez, contemplez ces ruines affreuses,
Ces débris, ces lambeaux, ces cendres malheureuses,
Ces femmes, ces enfants l'un sur l'autre entassés,
Sous ces marbres rompus ces membres dispersés;
Cent mille infortunés que la terre dévore,
(...)
Direz-vous, en voyant cet amas de victimes:
"Dieu s'est vengé, leur mort est le prix de leurs crimes"?
Quel crime, quelle faute ont commis ces enfants
Sur le sein maternel écrasés et sanglants?
Lisbonne, qui n'est plus, eut-elle plus de vices
Que Londres, que Paris, plongés dans les délices?
Lisbonne est abîmée, et l'on danse à Paris.
(...)
Começa assim o "Poema sobre o Desastre de Lisboa", escrito por Voltaire (1694-1778) logo após o terramoto de 1 de Novembro de 1755, que a Alêtheia publicou em edição bilingue, com tradução de Vasco Graça Moura, em 2005.

Voltaire recusa-se a aceitar a catástrofe como castigo divino para os pecados dos Homens. Não pode Lisboa ter mais vícios que Londres ou Paris, mas é Lisboa que se afunda enquanto em Paris se dança. Mais tarde, no conto "Candide, ou l'Optimisme", voltará ao tema do terramoto de Lisboa. Após várias peripécias, o inocente Cândido, a quem todos os males acontecem, chega a Lisboa no exacto momento em que se dá o terramoto e o navio afunda-se, mas ele e o seu preceptor Pangloss salvam-se. Ambos percorrem Lisboa entre escombros e cadáveres e acabam por ser condenados pela Inquisição. Cândido virá a ser poupado.

Sendo Voltaire um dos pilares do Iluminismo, é importante verificar que, por cá, imperavam as trevas da Inquisição e que o despotismo, de esclarecido, tinha pouco. Mesmo para os sábios de Coimbra, que eram os representantes máximos da erudição em Portugal, a queima dos hereges em auto-de-fé seria o método mais eficaz para acalmar a ira de Deus e evitar novas catástrofes.

Pegando no conto de Voltaire, Leonard Bernstein (1918-1990) compôs o divertido e irónico "Candide", na linha do teatro musical, em 1956. Aqui está a abertura, com a Orquestra Sinfónica de Londres dirigida pelo próprio compositor, numa versão de concerto gravada em 1989.

(nickbigd)

I am easily assimilated

I was not born in sunny Hispania.
My father came from Rovno Gubernya
But now I’m here, I’m dancing a tango:
Di dee di!
Dee di dee di!
I am easily assimilated.
I am so easily assimilated.

I never learned a human language.
My father spoke a High Middle Polish.
In one half-hour I’m talking in Spanish:
Por favor! Toreador!
I am easily assimilated.
I am so easily assimilated.

It’s easy, it’s ever so easy!
I’m Spanish, I’m suddenly Spanish!
And you must be Spanish, too.
Do like the natives do.
These days you have to be
In the majority.

Christa Ludwig canta I am easily assimilated, de "Candide".

(s006221)


Tus labios rubí,
Dos rosas que se abren a mí
Conquistan mi corazón,
Y sólo con
Una canción

Mis labios rubí,
Drei viertel Takt,
Mon très cher ami,
Oui oui, sí sí,
Ja ja ja, yes yes, da da,
Je ne sais quoi!

Me muero, me sale una hernia!
A long way from Rovno Gubernya!
Mis labios rubí,
Dos rosas que se abren a tí,
Conquistan tu corazón,
Y sólo con
Una divina canción
De mis labios rubí.

(echo.ucla)

11 comentários:

  1. Excelente apontamento sobre o terramoto de Lisboa. Fiquei curiosa em relação ao livro de Voltaire e já não me lembrava que "Candide" referenciava o terramoto. Acho que vou ler e reler...Quanto à Ópera do Tejo, foi uma dor saber que não sossobrou. Devia ser um espanto, por aquilo que dela se descreveu. Enfim, uma tragédia que esperemos não vejamos repetida (utopias?).
    Quanto a Bernstein, talvez também me entusiame...
    Bjs. Gostei muito da efeméride.

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  2. Minha cara Cigarrajazz. Candide é uma das melhores obras de Bernstein, cheia de um humor irónico e muito inteligente, como só podia ser, vindo de quem vem. Christa Ludwig tem aqui um grande momento, prova da sua inteligência como intérprete, tão diferente do seu registo em Wagner e Mahler.
    Deixa-te entusiasmar e verás que vale a pena.

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  3. Anónimo3.11.07

    Olá Paulo
    O seu post dá o que falar... que pena pela Ópera, deveria ser um belo edifício. Provavelmente Voltaire tinha razão, Lisboa não tinha mais vícios que Londres ou Paris, em relação aos costumes! Fez lembrar-me até do filme Carlota Joaquina, a ‘princesa’ espanhola que se entediava aí com saudades da sociedade de Espanha. Voltaire só esqueceu das atrocidades que ‘portugueses e espanhóis’ fizeram antes do terremoto nas terras americanas.
    Há muito tempo... ainda bem!
    Queria mesmo dizer que chega a ser divertido ver um maestro de aparência tão séria, interpretando e dançando com a música; faltava a letra da peça para entender, que você completou, vale mesmo a pena, divertida!

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  4. Lúcia, Bernstein era uma pessoa muito bem disposta. Se tiver oportunidade, veja os "Concertos para jovens" (Young people's concerts). Veja como ele falava de assuntos sérios a brincar. Era um comunicador nato, um homem muito inteligente, mas não me parece que ele tivesse essa aparência tão séria.

    PS. Quanto às atrocidades de que fala, diz bem: felizmente já foi há muito tempo. Mas infelizmente, continuamos a assistir a outro género de atrocidades todos os dias.

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  5. Que diria Voltaire se soubesse que no sec XXI ainda há homens que atribuem os desastres naturais à ira de Deus (Alá)!

    Se não fosse o comentário da Lúcia nem me apercebia da dança do Bernstein, estive a ler o artigo da wikipedia enquanto ouvia. Deve ser muito interessante para os músicos serem regidos por um maestro assim!
    Bjs

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  6. Anónimo4.11.07

    Paulo, obrigada pela indicação do Bernstein como todas as outras... Tinha esta impressão que se desfez com a Ópera; linda e sedutora a letra em espanhol.
    um bjo. e boa semana!


    PS. A condição humana é muitas vezes desumana e injusta.

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  7. Ver Bernstein a dirigir uma orquestra é sempre emocionante. Seja uma obra de humor e ironia, como esta, que pôs o público de Londres ao rubro, ou uma sinfonia densa e séria, como as de Shostakovich.

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  8. Olá Paulo. Que bom que é entrar neste teu espaço e ver e ouvir a excelência destas interpretações.
    Lembro-me perfeitamente de, ainda adolescente, ver na televisão os "Concertos para jovens". Ficava fascinada a acompanhar as explicações que Bernstein dava sobre as partes das peças e o papel de cada instrumento, de uma forma tão leve que nem me sentia aborrecida por as emissões serem ainda a preto e branco. Outros tempos!
    Um beijinho grande

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  9. Glória1.11.10

    Voltaire e o seu "Candide", Bernstein e a sua soberba criação e interpretação,
    que melhor forma para recordar e alertar como este país ciclicamente é violentamente abanado e tem subsequentes tsunamis?...
    PARABÉNS Paulo, por mais um excelente post!
    Guida, tenho a maior das certezas que qd escutares "Candide" de
    Bernstein irás adorar!
    Glória

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  10. Glória1.11.10

    Lúcia,
    permita-me que lhe diga que se conseguir ouvir os concertos para jovens de Bernstein, compreenderá a seguinte afirmação:
    Aqui em Portugal,foram transmitidos na minha infância esses fabulosos concertos para jovens e atrevo-me a dizer que formaram ( ou como actualmente se diz, formataram) gostos e até muitos futuros músicos aqui em Portugal.
    E Bernstein,é para mim uma alegria vê-lo dirigir, porque ele mesmo a irradiava.
    Glória

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