O país pára para ver o último episódio da "Gabriela", quando há finais que envolvam a Selecção Nacional e para assistir à Conversa em Família. Imagino que seja essa a razão pela qual ainda há tantos bilhetes disponíveis para o último recital do ciclo de Schubert que Matthias Goerne trouxe à Gulbenkian. Hoje, antes de "Schwanengesang", poderemos ouvir também "An die ferne Geliebte", de Beethoven.
Schubert compôs as canções de "Schwanengesang" poucas semanas antes de falecer, em 1828, e não é certo que as entendesse como um ciclo, ao contrário de Viagem de Inverno e A Bela Moleira, cujos poemas seguem uma narrativa. No entanto, o conjunto das suas últimas canções foi publicado com o título Canto do Cisne e faz sentido apresentá-lo como se de um ciclo, ou de um testamento, se tratasse.
O Canto do Cisne termina* com um poema de Heinrich Heine, aqui na voz de Fischer-Dieskau, um dos mestres de Goerne:
O Sósia
A noite está calma, as ruas tranquilas,
Naquela casa morava o meu amor;
Há muito que ela abandonou a cidade,
Mas a casa permanece no seu lugar.
Está também ali um homem, fitando o alto
E torcendo as mãos no desespero da dor.
Que horror sinto ao ver o seu rosto -
A Lua revela-me o meu próprio vulto.
Oh! Meu sósia, pálido companheiro!
Por que imitas o desgosto de amor
Que me atormentou neste lugar,
Tantas noites, em tempos passados?
(Tradução de Maria Fernanda Cidrais, no programa de sala)
*"Die Taubenpost" é a última canção composta por Schubert, mas não integra a primeira edição de "Schwanengesang".