É só para dizer que tivemos direito a uma Ressurreição extraordinária. A obra, absolutamente esmagadora, foi magnificamente dirigida por Joana Carneiro. A Orquestra Sinfónica Portuguesa, o Coro do Teatro Nacional de São Carlos e as solistas Dora Rodrigues e María José Montiel estiveram em plena sintonia com a música de Mahler. Foi lindo de ver e no final o público explodiu aplaudindo de pé.
No entanto, o que aconteceu ontem no CCB é i-na-cei-tá-vel. Durante uns bons quinze minutos após o início do concerto, foram entrando e sendo sentadas dezenas de pessoas na plateia, acompanhadas pelo cochichar do pessoal de sala. Não adianta pedir muito claramente aos espectadores que desliguem os telemóveis em vez de os deixarem no silêncio porque os ecrãs e as vibrações perturbam os artistas e o restante público, e logo a seguir destruir a audição de metade de um andamento. Não foi a primeira vez que isto aconteceu no CCB. Parece tratar-se de um problema crónico lá para os lados de Belém.
Com Dora Rodrigues (soprano), María José Montiel (meio-soprano), o Coro do Teatro Nacional de São Carlos e a Orquestra Sinfónica Portuguesa, sob a direção de Joana Carneiro.
Antes da invenção dos telemóveis, o medo de actores, músicos e cantores era de ter uma branca ou falhar uma nota. Agora, antes de pisarem o palco, pedem aos santinhos que lembrem os espectadores de desligar convenientemente os seus apêndices de comunicação. Um telemóvel pode perturbador um artista ao ponto de ter de interromper a actuação. Foi o que fez o maestro Alan Gilbert há dias, durante um concerto com a Orquestra Filarmónica de Nova Iorque no Avery Fisher Hall.
Soavam os compassos finais da Nona de Mahler quando se ouviu, sem cessar, vindo de uma das filas da frente, o toque de um iPhone. Parou tudo, o maestro pediu ao dono do telemóvel que o desligasse e, após longos momentos, retomou o concerto. O caso deu que falar e o dono do dito telemóvel já foi entrevistado pelo New York Times e contou como pediu desculpa ao maestro pelo sucedido.
Aqui fica um apelo ao leitor: quando estiver num teatro ou numa sala de concertos (ou no cinema), se não sabe como desligar os alarmes do seu telemóvel, peça ajuda ao vizinho do lado com a devida antecedência. Ou faça como certos que eu conheço: retire a bateria do telefone, não vá o diabo tecê-las e fazê-lo passar por uma vergonha destas:
Der Einsame im Herbst (Parte II de "Das Lied von der Erde")
Herbstnebel wallen bläulich überm See;
vom Reif bezogen stehen alle Gräser;
man meint', ein Künstler habe Staub vom Jade
über die feinen Blüten ausgestreut.
Der süße Duft der Blumen ist verflogen;
ein kalter Wind beugt ihre Stengel nieder.
Bald werden die verwelkten, goldnen Blätter
der Lotosblüten auf dem Wasser zieh'n.
Mein Herz ist müde.
Meine kleine Lampe erlosch mit Knistern;
es gemahnt mich an den Schlaf.
Ich komm zu dir, traute Ruhestätte!
Ja, gib mir Ruh, ich hab Erquickung not!
Ich weine viel in meinen Einsamkeiten.
Der Herbst in meinem Herzen währt zu lange.
Sonne der Liebe, willst du nie mehr scheinen,
um meine bittern Tränen mild aufzutrocknen?
A névoa azulada de Outono flutua sobre o lago;
cobrindo de geada cada lâmina de relva;
dir-se-ia que um artista espalhou pó de jade
sobre as delicadas florações.
O doce perfume das flores desvaneceu-se;
um vento frio curva as suas hastes.
Em breve, as murchas folhas douradas
das flores de lótus, partirão nas águas.
O meu coração está cansado.
A minha pequena lâmpada extinguiu-se com um estalo;
convencendo-me a dormir.
Venho até ti, caro lugar de repouso!
Sim, dá-me descanso, necessito de conforto!
Choro muito na minha solidão.
O Outono prolonga-se demasiado no meu coração.
Sol do amor, não voltarás tu a brilhar,
e as minhas lágrimas amargas ternamente secar?
(Tradução de Ofélia Ribeiro, num programa de sala da Gulbenkian)
Christa Ludwig nasceu em Berlim a 16 de Março de 1928. A melhor homenagem que podemos fazer-lhe é ouvi-la. Na Sinfonia nº 3 de Mahler, com Bernstein e a Orquestra Filarmónica de Viena, e como Klytämnestra, ao lado da Elektra de Gwyneth Jones (papéis que não chegaram a cantar juntas no Teatro Nacional de São Carlos, no início dos anos 1990 - já nessa época o teatro andava azarado).
A lotação da Sala Suggia estava esgotada havia, pelo menos, vários dias. Sábado, 6 de Março, a Orquestra Nacional do Porto (ONP), o Coro Gulbenkian, Lisa Milne e Birgit Remmert, todos dirigidos por Christoph König, iam tocar e cantar a Sinfonia nº 2, "Ressurreição", de Mahler. A Áustria é o país tema na temporada de 2010 e a orquestra tem um projecto ambicioso: a apresentação integral das sinfonias de Gustav Mahler, a prolongar-se por 2011.
Inquirindo na bilheteira se por acaso alguém teria desistido, a resposta era negativa. Nada. Muito bem, tente-se mais tarde. E mais tarde provou-se que há pessoas boas: faltavam poucos minutos para as 6 da tarde e alguém apareceu com uns milagrosos bilhetes de que não necessitava.
A casa veio a baixo. Deu gosto ver o jovem maestro titular da ONP a dirigi-la com energia e decisão e ouvir a resposta vigorosa dos músicos. De Birgit Remmert só esperava um pouco mais de volume na voz. Lá para as últimas filas o seu Urlicht soou a pouco.
(Ouça aqui a interpretação de Elisabeth Schwarzkopf)
Antonius zur Predigt Die Kirche find't ledig. Er geht zu den Flüssen und predigt den Fischen! Sie schlag'n mit den Schwänzen, Im Sonnenschein glänzen.
Die Karpfen mit Rogen Sind all' hierher zogen, Hab'n d'Mäuler aufrissen, Sich Zuhör'ns beflissen. Kein Predigt niemalen Den Fischen so g'fallen!
Spitzgoschete Hechte, Die immerzu fechten, Sind eilends herschwommen, Zu hören den Frommen!
Auch jene Phantasten, Die immerzu fasten: Die Stockfisch' ich meine, Zur Predigt erscheinen. Kein Predigt niemalen Den Stockfisch' so g'fallen!
Gut Aale und Hausen, Die vornehme schmausen, Die selbst sich bequemen, Die Predigt vernehmen!
Auch Krebse, Schildkroten, Sonst langsame Boten, Steigen eilig vom Grund, Zu hören diesen Mund. Kein Predigt niemalen den Krebsen so g'fallen.
Fisch' große, Fisch' kleine, Vornehm und gemeine, Erheben die Köpfe Wie verständ'ge Geschöpfe, Auf Gottes Begehren Die Predigt anhören.
Die Predigt geendet, Ein jeder sich wendet, Die Hechte bleiben Diebe, Die Aale viel lieben. Die Predigt hat g'fallen. Sie bleiben wie allen.
Die Krebs' geh'n zurücke, Die Stockfisch' bleib'n dicke, Die Karpfen viel fressen, die Predigt vergessen! Die Predigt hat g'fallen. Sie bleiben wie allen.
António, para o sermão,
Encontra a igreja vazia.
Vai para o rio
E prega aos peixes!
Todos dão à cauda,
Brilhando ao Sol.
As carpas, em cardume,
Vieram todas à uma.
Estão de boca aberta
A escutar com atenção.
Nunca um sermão
Agradou tanto aos peixes!
Os lúcios, de boca em bico,
Sempre a guerrear,
Nadaram velozes
Para ouvir o Santo!
Mesmo criaturas fantásticas,
Sempre de dieta,
Quero dizer, os bacalhaus,
Apareceram ao sermão.
Nunca um sermão
Agradou tanto aos bacalhaus!
Belas enguias e esturjões,
Que vão às festas finas,
Acomodam-se
Para ouvir o sermão.
Também caranguejos e tartarugas,
Lentos, de costume,
Sobem depressa do fundo
Para ouvir esta boca.
Nunca um sermão
Agradou tanto aos caranguejos!
Peixes grandes, peixes pequenos,
Nobres ou vulgares,
Erguem a cabeça
Como seres inteligentes,
Por vontade de Deus,
Para ouvir o sermão.
O sermão terminou,
Cada um vai à sua vida.
Os lúcios continuam ladrões,
As enguias fazem amor.
O sermão agradou,
Continuam como eram!
Os caranguejos recuam,
Os bacalhaus continuam gordos,
As carpas alarvam,
O sermão está esquecido.
O sermão agradou,
Continuam como eram!
Hoje é dia de marchas, de sardinhas e de majaricos. De folia, portanto.
(Santo António Pregando aos Peixes, de Veronese, cerca de 1580, na Galleria Borghese, Roma)
Des Knaben Wunderhorn (A Trompa Mágica do Rapaz) é uma antologia de poemas em dialecto, compilados por Clemens Brentano e Achim von Arnim, a partir da qual Mahler (1860-1911), normalmente mais para o sério, compôs várias canções bem-dispostas. Uma delas é Des Antonius von Padua Fischpredigt (Sermão de António de Pádua aos Peixes), aqui em baixo na versão original para voz e piano, composta em 1893. A gravação é de 1966, com a voz de Elisabeth Schwarzkopf, acompanhada ao piano por Geoffrey Parsons.
Antonius zur Predigt Die Kirche find't ledig. Er geht zu den Flüssen und predigt den Fischen! Sie schlag'n mit den Schwänzen, Im Sonnenschein glänzen.
Die Karpfen mit Rogen Sind all' hierher zogen, Hab'n d'Mäuler aufrissen, Sich Zuhör'ns beflissen. Kein Predigt niemalen Den Fischen so g'fallen!
Spitzgoschete Hechte, Die immerzu fechten, Sind eilends herschwommen, Zu hören den Frommen!
Auch jene Phantasten, Die immerzu fasten: Die Stockfisch' ich meine, Zur Predigt erscheinen. Kein Predigt niemalen Den Stockfisch' so g'fallen!
Gut Aale und Hausen, Die vornehme schmausen, Die selbst sich bequemen, Die Predigt vernehmen!
Auch Krebse, Schildkroten, Sonst langsame Boten, Steigen eilig vom Grund, Zu hören diesen Mund. Kein Predigt niemalen den Krebsen so g'fallen.
Fisch' große, Fisch' kleine, Vornehm und gemeine, Erheben die Köpfe Wie verständ'ge Geschöpfe, Auf Gottes Begehren Die Predigt anhören.
Die Predigt geendet, Ein jeder sich wendet, Die Hechte bleiben Diebe, Die Aale viel lieben. Die Predigt hat g'fallen. Sie bleiben wie allen.
Die Krebs' geh'n zurücke, Die Stockfisch' bleib'n dicke, Die Karpfen viel fressen, die Predigt vergessen! Die Predigt hat g'fallen. Sie bleiben wie allen.
António, para o sermão,
Encontra a igreja vazia.
Vai para o rio
E prega aos peixes!
Todos dão à cauda,
Brilhando ao Sol.
As carpas, em cardume,
Vieram todas à uma.
Estão de boca aberta
A escutar com atenção.
Nunca um sermão
Agradou tanto aos peixes!
Os lúcios, de boca em bico,
Sempre a guerrear,
Nadaram velozes
Para ouvir o Santo!
Mesmo criaturas fantásticas,
Sempre de dieta,
Quero dizer, os bacalhaus,
Apareceram ao sermão.
Nunca um sermão
Agradou tanto aos bacalhaus!
Belas enguias e esturjões,
Que vão às festas finas,
Acomodam-se
Para ouvir o sermão.
Também caranguejos e tartarugas,
Lentos, de costume,
Sobem depressa do fundo
Para ouvir esta boca.
Nunca um sermão
Agradou tanto aos caranguejos!
Peixes grandes, peixes pequenos,
Nobres ou vulgares,
Erguem a cabeça
Como seres inteligentes,
Por vontade de Deus,
Para ouvir o sermão.
O sermão terminou,
Cada um vai à sua vida.
Os lúcios continuam ladrões,
As enguias fazem amor.
O sermão agradou,
Continuam como eram!
Os caranguejos recuam,
Os bacalhaus continuam gordos,
As carpas alarvam,
O sermão está esquecido.
O sermão agradou,
Continuam como eram!