De Chéreau, fica-me acima de tudo o mítico Anel de 1976/80 em Bayreuth e a Isolde de Waltraud Meier em Milão, mas também a extraordinária encenação que fez para a peça I am the Wind, que o Festival de Almada em boa hora mostrou. A busca da essência contra o espalhafato circense.
Chéreau faleceu ontem em Paris, vítima de cancro.
A próxima sexta-feira, 7 de Dezembro, é dia de Sant'Ambrósio, logo, abre a nova temporada do Scala. Desta vez cabem as honras a "Lohengrin" e a Jonas Kaufmann, na companhia de Anja Harteros, René Pape, Tómas Tómasson, Evelyn Herlitzius, Zeljko Lucic e Daniel Barenboim. Quem tiver arte em casa pode ver a transmissão a partir das 19h15, quase em directo. Em Milão começa às 5 da tarde.
A escolha da West-Eastern Divan Orchestra é oportuna e exemplar a vários títulos: celebra o poder de comunicação universal da música e a sua capacidade de transcender divisões e conflitos; aposta nos jovens e na sua aptidão em encontrar soluções novas para problemas velhos; é uma chamada de atenção para um conflito que grassa há décadas e se repercute numa região inteira. Mas é também a celebração do valor do diálogo intercultural e do seu contributo para a harmonia e a paz.
Jorge Sampaio, Presidente do Júri
Ainda no sítio da Fundação Gulbenkian, podemos ler que "a West-Eastern Divan Orchestra tem a clara intenção de ajudar a ultrapassar as barreiras e os conflitos históricos entre israelitas e palestinianos, a partir do gosto pela música que os leva a conhecerem-se melhor e a superarem ódios e desentendimentos. Para os criadores da Orquestra, a única convicção política sobre o conflito do Médio Oriente é a de que nunca será resolvido pela via militar. Acreditando que os destinos dos dois territórios estão ligados para sempre, Said e Barenboim quiseram mostrar, com esta Orquestra, que só construindo pontes se pode encorajar as pessoas a ouvirem os dois lados do conflito".
Como Isolde, na encenação de Patrice Chéreau para o Teatro alla Scala
(a imagem já não sei de onde veio)
Numa entrevista publicada há já alguns meses, Waltraud Meier disse o que tinha de ser dito.
Excertos escolhidos, abreviados e em tradução rápida e livre:
Die Welt: Possui uma presença cénica e doseia os gestos de tal modo que, muitas vezes, um simples olhar diz muito mais que um movimento largo. Waltraud Meier: Isso vem-me do pensamento. O pensamento comanda o corpo. É um processo consciente, uma observação. Os Americanos chamam-lhe "awareness". E depende sempre da situação: o que recebo dos colegas, do cenário, do maestro, das luzes, do guarda-roupa, etc. Trata-se de repensar o texto e dizê-lo fresco. Fico muitas vezes surpreendida pelo modo como o ponho em prática.
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Aprendi muito com grandes encenadores como Klaus-Michael Grüber. Uma revelação foi não antecipar as emoções (...). Há uma outra escola, segundo a qual devemos antecipá-las, de que me afastei porque o espectador precisa de tempo para perceber. Veja-se o exemplo das longas frases de Wagner: só no final, quando chega o verbo, é que se entende o significado da frase. É incompreensível que reajamos cedo de mais a certas palavras-chave.
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DW: É a melhor encenadora de si própria? WM: Não. De modo nenhum. Fico apenas triste quando não tenho quem me ajude. Gosto muito de trabalhar com Patrice Chéreau. Com ele surge uma arte intemporal, porque ele parte do texto e da psicologia das personagens - para mim, o essencial.
DW: Após épocas tão diferentes como as dos castrati, das divas, dos compositores, dos maestros, reclama-se agora contra o Regietheater ("teatro de encenador"). Em que ponto está a Ópera actualmente? WM: Quando me falam hoje de Regietheater apanho uma fúria. Sou do tempo do Regietheater, que nasceu há uns trinta ou trinta e cinco anos com pessoas como Götz Friedrich e outros. Isso era Regietheater! O que vemos actualmente nos palcos não merece esse nome. Já há pouquíssima gente com a preparação suficiente para esse trabalho. Encenar é mais que ter umas quantas fantasias sobre uma peça. É analisar a música, compreender a filosofia, investigar a psicologia. Uma mão-cheia de imagens espectaculares para enfeitiçar não me chega. Esta arbitrariedade pós-moderna desperta no público apenas tédio. O que vemos actualmente nos palcos são clichés novos a substituírem clichés antigos.
DW: Do que sente mais a falta na Ópera, actualmente? WM: Da seriedade, da profundidade. E de sensações fortes. Pense no grandioso Anel do Nibelungo de Harry Kupfer em Bayreuth, com as suas imagens intensas, em que os elementos da obra de arte total estão interligados. Hoje, pelo contrário, muito do que se faz é apenas banal, superficial, kitsch moderno.
(...)
DW: Em que mudou a audição musical? WM: As pessoas que nos ouvem já só raramente cantam ou tocam um instrumento. Ajuda muito saber como se produz um som, daí ser tão importante a educação musical. Repare: de que falam as pessoas depois da Ópera? Apenas do que viram. Já quase não falam do que ouviram. Esta sobrevalorização do elemento visual é incrivelmente patética!
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Waltraud Meier como Kundry, na encenação de "Parsifal" por Harry Kupfer:
René Pape, com Barenboim e a Staatskapelle Berlin, tem um disco novo totalmente dedicado a Wagner quase a sair. Já podemos ouvir alguns excertos nesta página da Deutsche Grammophon.
Primeiro foram os protestos à porta do Teatro alla Scala. Depois foi o ataque de Barenboim aos cortes do governo de Berlusconi na Cultura. Finalmente ouviu-se A Valquíria.
De facto, Barenboim tem feito um trabalho notável com a orquestra que fundou com Edward Said. Pode parecer pouco, tendo em conta a aparente irresolubilidade dos conflitos no Médio-Oriente, mas, et pour cause, é tanto. No Facebook existe um grupo que propõe que lhe seja atribuído o Nobel da Paz.
(...) the West-Eastern Divan Orchestra brings together musicians from Israel, Palestine, Syria, Lebanon, Jordan, Egypt – joined by a number of musicians from Iran, Turkey and Spain – with the aim to perform music and promote reflection and understanding.
Beethoven por Joseph karl Stieler (1819-20), na casa de Beethoven, em Bona (imagem da net)
O próximo fim-de-semana afigura-se em grande para os amantes de Beethoven. No dia 22 de Dezembro de 1808, o Theater an der Wien assistiu à estreia mundial das sinfonias nº6 e nº5 (por esta ordem), entre outras obras dirigidas pelo próprio compositor. A importância desse concerto para a história da música é, pois, fulcral.
O CCB vai comemorar o bicentenário deste acontecimento com a apresentação da ópera "Fidelio" (no dia 20 de Dezembro) e com um concerto em duas partes que repete o programa de 22 de Dezembro de 1808 (no dia 21 de Dezembro).
Esta mini-maratona junta nomes como Pedro Carneiro, Marc Minkowski, Sergio Tiempo, Artur Pizarro e Alexandrina Pendatchanska.
A ópera "Fidelio" vai ser apresentada em versão de concerto, com o elenco que se segue:
ANJA KAMPE Leonore SIMON O'NEILLFlorestan GREER GRIMSLEY Don Pizarro MATTHIAS HÖLLE Rocco CHELSEY SCHILL Marzelline MUSA NKUNA Jaquino DON FERNANDO Mário Redondo
JULIA JONES direcção musical
ORQUESTRA SINFÓNICA PORTUGUESA JULIA JONES maestro titular
CORO DO TEATRO NACIONAL DE SÃO CARLOS ANTON TREMMEL maestro convidado
Simon O'Neill como Florestan em Covent Garden
e como Siegmund, com Waltraud Meier, Daniel Barenboim e a West-Eastern Divan Orchestra
Há 143 anos, a 10 de Junho de 1865, assistia-se à estreia mundial de "Tristan und Isolde", com Malvina (Garrigues) Schnorr von Carolsfeld no papel da princesa da Irlanda.
Waltraud Meier, Mild und leise (Liebestod), em Dezembro de 2007, no Teatro alla Scala. Encenação de Patrice Chéreau e direcção musical de Daniel Barenboim.
Poul Elming também cantou o Parsifal em São Carlos. Aqui é em Berlim. Estamos no jardim mágico de Klingsor e as televisões são as raparigas-flores que tentam seduzir Parsifal. Ele pergunta-lhes se elas são flores, uma vez que cheiram tão bem. Até que chega Kundry, a sedutora-mor, na voz gloriosa de Waltraud Meier, chamando por Parsifal.