Lastimo que, à semelhança do ocorrido relativamente aos derradeiros títulos produzidos pelo São Carlos, não esteja prevista qualquer transmissão radiofónica por parte da rádio pública. Uma omissão, malogradamente, recorrente.
Por muito bons que sejam os cantores, é uma tristeza imensa, e isso sim, uma pena, que o único teatro de ópera do país não cumpra com um dos requisitos essenciais que distingue este género musical: a encenação.
... e a orquestra e a música. Mas foi pensada para que o canto fosse dramatizado e o movimento encenado. Da mesma forma que não se canta só com a boca mas com todo o corpo, também a ópera é um corpo inteiro que nada deve ser posto de parte. Quando oiço em disco, enceno-as eu próprio. Esse exercício numa sala com cantores ao vivo é um disparate. Nenhuma cantora poderá gritar na Tosca, Mário, Mário, sem que tenha visto o amante sucumbir ao fuzilamento, e Rigoleto nunca será autêntico pedindo a piedade dos cortesãos se não sentir que é uma filha que está do outro lado da porta. Considero uma traição ao compositor.
Para além disso ópera de concerto pode ser boa para quem já esteja muito rodado no género e seja um especialista. Não servirá para ganhar público e o teatro nacional não cumprirá a sua função. Tenho amigos que gostaria de assistir pela primeira vez a um espectáculo e quando lhes digo o que esperar deste último cartaz, desistem decepcionados. Uma boa encenação e produção pode ser preferível mesmo com cantores sofríveis, como acontece em muitos teatros por essa europa e américa fora. Já se cantou em Portugal a Lucia só com a prata da casa, cenários de teatro de província, e levava o público ao rubro. Acho preferível a ter um grande nome em frente a uma estante. Para isso vejo o Mezzo.
Actualmente, face à severidade das constrições económicas que espartilham a gestão artística do São Carlos permito-me enunciar: "prima la musica, poi la scena".
Concordo em absoluto: prima la musica, poi la scena. Mas o que se está a passar não é isso como bem sabe e não vale a pena italianizar que não fica mais operático por isso. O que se está a passar é: musica senza scena. Ou seja ópera amputada que não chega a ser ópera. Compreendo as restrições, mas outros teatros vão aos seus depósitos, tiram o pó aos cenários, afugentam as traças do guarda roupa, repetem as produções antigas, e contratam cantores em início de carreira (os outros baixarão os cachets como se viu durante a guerra). É preciso coragem para dizer que assim não vale: Para música sem cena, há as sinfonias, as oratórias, os corais, etc. Admitiria ballet só com música? Sem bailarinos? Prima la musica, lembra-se? Quando o Inatel fazia tournés de ópera pela província, via-se ópera encenada com muito poucos recursos, mas sentíamos que estávamos a ver um espectáculo de ópera e não um concerto. Um bom domingo para si e para os restantes comentadores, que afinal o que todos queremos é ouvir e "ver" boas óperas.
As suas palavras assino por baixo com a reserva de que prefiro ópera em versão de concerto do que uma encenação tipo Les Troyens com a Matos ou outras disparatadas, a meu ver, como tantas hoje em dia..
Com ou sem encenação ver a Elisabete Matos na Gioconda é um privilégio. Eu tenho azar, pois por três semanos falho as récitas. O papel parece escrito a pensar nela. No passado, muito remoto, vi Elena Soulitis, fabulosa, e muito mais tarde Galina Savova, uma boa intérprete. Possuo as melhores gravações, no meu entender, desta ópera: as duas gravações da melhor Giconda de todos os tempos, a Callas, a primeira gravação completa da ópera com uma cantora excepcional, Gianina Aranji-Lombardi, acompanhada pela Stignani no papel de Laura, e a única gravação completa em estúdio da sublime Anita Cerqueti acompanhada de um elenco de luxo (del Monaco, Bastianini, Simionato e Siepi). Possuo em vídeo duas gravações que não recomendo: uma com Eva Marton e outra, a pior, com a Deborah Voigt.
permita-me, antes de mais, cumprimentá-lo efusivamente.
No que se reporta a registos comerciais de La Gioconda, para além das versões legadas por La Divina, possuo as gravações encimadas por Tebaldi e Caballé. Relativamente a preservações em suporte vídeo, detenho, igualmente, as leituras supracitadas.
Viva, caríssimo Hugo, Quando estiver aí e for ao norte comunico consigo. Eu tenho seu email. Conheço a gravação da Tebaldi. Eu, um tebaldiano convicto, senti-me decepcionado com a interpretação, o mesmo acontecendo com o seu Um Baile de Máscaras. São gravações tardias. Também conheço uma ao vivo do Met, onde estraga tudo no maravilhoso final do primeiro acto. Quanto à gravação da Caballé conheço excertos. Excelente mas não se pode comparar ao fenómeno Cerquetti e esse diamante chamado Gianina Arangi-Lombardi. Se o Hugo nunca ouvi estas Giocondas corra a ouví-las. Um abraço .
Lastimo que, à semelhança do ocorrido relativamente aos derradeiros títulos produzidos pelo São Carlos, não esteja prevista qualquer transmissão radiofónica por parte da rádio pública. Uma omissão, malogradamente, recorrente.
ResponderEliminarÉ pena, sim.
EliminarPor muito bons que sejam os cantores, é uma tristeza imensa, e isso sim, uma pena, que o único teatro de ópera do país não cumpra com um dos requisitos essenciais que distingue este género musical: a encenação.
ResponderEliminarTambém gosto de ver ópera (bem) encenada. Mas o requisito mais essencial de todos não será que os cantores sejam bons?
Eliminar... e a orquestra e a música. Mas foi pensada para que o canto fosse dramatizado e o movimento encenado. Da mesma forma que não se canta só com a boca mas com todo o corpo, também a ópera é um corpo inteiro que nada deve ser posto de parte. Quando oiço em disco, enceno-as eu próprio. Esse exercício numa sala com cantores ao vivo é um disparate. Nenhuma cantora poderá gritar na Tosca, Mário, Mário, sem que tenha visto o amante sucumbir ao fuzilamento, e Rigoleto nunca será autêntico pedindo a piedade dos cortesãos se não sentir que é uma filha que está do outro lado da porta. Considero uma traição ao compositor.
EliminarCaro João Alves,
EliminarSe vamos falar em traição aos compositores, o que me dirá sobre o que vê na maioria das encenações no Mezzo?
Para além disso ópera de concerto pode ser boa para quem já esteja muito rodado no género e seja um especialista. Não servirá para ganhar público e o teatro nacional não cumprirá a sua função. Tenho amigos que gostaria de assistir pela primeira vez a um espectáculo e quando lhes digo o que esperar deste último cartaz, desistem decepcionados. Uma boa encenação e produção pode ser preferível mesmo com cantores sofríveis, como acontece em muitos teatros por essa europa e américa fora. Já se cantou em Portugal a Lucia só com a prata da casa, cenários de teatro de província, e levava o público ao rubro. Acho preferível a ter um grande nome em frente a uma estante. Para isso vejo o Mezzo.
ResponderEliminarActualmente, face à severidade das constrições económicas que espartilham a gestão artística do São Carlos permito-me enunciar: "prima la musica, poi la scena".
ResponderEliminarTirou-me as palavras da boca, Hugo.
EliminarConcordo em absoluto: prima la musica, poi la scena.
EliminarMas o que se está a passar não é isso como bem sabe e não vale a pena italianizar que não fica mais operático por isso. O que se está a passar é: musica senza scena. Ou seja ópera amputada que não chega a ser ópera. Compreendo as restrições, mas outros teatros vão aos seus depósitos, tiram o pó aos cenários, afugentam as traças do guarda roupa, repetem as produções antigas, e contratam cantores em início de carreira (os outros baixarão os cachets como se viu durante a guerra). É preciso coragem para dizer que assim não vale: Para música sem cena, há as sinfonias, as oratórias, os corais, etc. Admitiria ballet só com música? Sem bailarinos? Prima la musica, lembra-se?
Quando o Inatel fazia tournés de ópera pela província, via-se ópera encenada com muito poucos recursos, mas sentíamos que estávamos a ver um espectáculo de ópera e não um concerto. Um bom domingo para si e para os restantes comentadores, que afinal o que todos queremos é ouvir e "ver" boas óperas.
As suas palavras assino por baixo com a reserva de que prefiro ópera em versão de concerto do que uma encenação tipo Les Troyens com a Matos ou outras disparatadas, a meu ver, como tantas hoje em dia..
EliminarCom ou sem encenação ver a Elisabete Matos na Gioconda é um privilégio. Eu tenho azar, pois por três semanos falho as récitas. O papel parece escrito a pensar nela. No passado, muito remoto, vi Elena Soulitis, fabulosa, e muito mais tarde Galina Savova, uma boa intérprete. Possuo as melhores gravações, no meu entender, desta ópera: as duas gravações da melhor Giconda de todos os tempos, a Callas, a primeira gravação completa da ópera com uma cantora excepcional, Gianina Aranji-Lombardi, acompanhada pela Stignani no papel de Laura, e a única gravação completa em estúdio da sublime Anita Cerqueti acompanhada de um elenco de luxo (del Monaco, Bastianini, Simionato e Siepi). Possuo em vídeo duas gravações que não recomendo: uma com Eva Marton e outra, a pior, com a Deborah Voigt.
ResponderEliminarCaríssimo Raul,
Eliminarpermita-me, antes de mais, cumprimentá-lo efusivamente.
No que se reporta a registos comerciais de La Gioconda, para além das versões legadas por La Divina, possuo as gravações encimadas por Tebaldi e Caballé. Relativamente a preservações em suporte vídeo, detenho, igualmente, as leituras supracitadas.
Viva, caríssimo Hugo,
ResponderEliminarQuando estiver aí e for ao norte comunico consigo. Eu tenho seu email.
Conheço a gravação da Tebaldi. Eu, um tebaldiano convicto, senti-me decepcionado com a interpretação, o mesmo acontecendo com o seu Um Baile de Máscaras. São gravações tardias. Também conheço uma ao vivo do Met, onde estraga tudo no maravilhoso final do primeiro acto.
Quanto à gravação da Caballé conheço excertos. Excelente mas não se pode comparar ao fenómeno Cerquetti e esse diamante chamado Gianina Arangi-Lombardi. Se o Hugo nunca ouvi estas Giocondas corra a ouví-las.
Um abraço
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