5.11.13

Crónica Londrina (por Jorge Rodrigues)

Much Ado About Nothing


Cá te envio, Paulo, mais um relato de uma viagem teatral relâmpago a Londres, desta feita para ver Vanessa Redgrave e James Earl Jones como protagonistas de uma divertida (mas, como sempre em Shakespeare, também abissal) guerra de amores – a peça “Much Ado About Nothing”,  que está em cena no Old Vic numa encenação de Mark Rylance.
Redgrave e Earl Jones  estão a representar pela primeira vez estes papeis e estão, simultaneamente, a estrear-se no Old Vic, que é um dos mais míticos palcos londrinos, aquele onde existe, segundo Laurence Olivier, “a mais poderosa relação actor / público do mundo”.
A produção nasceu do desejo dos dois actores de representarem juntos esta peça, e Mark Rylance (antigo director do Teatro Globe) assume que foi precisamente esse desejo o motor da sua encenação: “Esta produção nasceu da ideia de ter Beatrice e Benedick interpretados por James Earl Jones  e por Vanessa Redgrave. Eles foram não apenas a origem da inspiração, como permaneceram uma inspiração contínua durante os ensaios”. Creio não haver memória de estes dois papéis terem sido representados por um par de intérpretes tão avançados na idade, mas é essa precisamente a grande e comovente lição a tirar desta visão: Amor omnia vincit, até as barreiras do tempo. Isso terá, não duvido, causado estranheza a alguns poucos, mas  a maioria dos ingleses (talvez o povo que mais respire teatro no mundo) não é provinciana, e sabe bem que vale sempre a pena ir ao teatro para ver grandes actores. A recepção do público no final, aliás, foi a prova disso - aquilo parecia um concerto rock de contentamento!
E que prazer quase infantil foi para mim ouvir num teatro a “voz do Darth Vader” verbalizando versos confiados a Benedick, o apaixonado. E que contentamento, poder ouvir a voz de Vanessa Redgrave, que está no meu corpo incrustada devido ao cinema, impor-se sonoríssima na sala do Old Vic. 
A acção nesta encenação decorre em Inglaterra no Outono de 1944, numa casa de campo e numa aldeia próximos de uma base militar norte-americana. Claire van Kampen, responsável pela escolha musical, deu-nos um ambiente sonoro de Anos 40. Como a própria explica no programa, “a rádio abriu a porta para um novo som na Inglaterra da guerra, o que levou a uma fusão cultural que ecoa nesta produção”.
Os “ricos” são por vezes perdulários, e os londrinos, para além destes dois monstros sagrados, têm nesta produção um naipe de outros actores que fariam a inveja de qualquer teatro do mundo. Referirei apenas a soberba criação de Peter Wight num impagável Dogberry, e as de Beth Coole (Hero) e de Lloyd Everitt (Claudio) – e não refiro mais nomes porque esta produção foi pensada e construída para Redgrave e Earl Jones.
Nem sei, nem me interessa, o que disse a crítica (que não li, juro!, como sempre faço). Teatro, teatro, teatro – é o que se tem quando em palco se movimentam actores destes. O resto é conversa. O Old Vic continua cheio a abarrotar há semanas e para arranjar bilhetes há que penar.

Como já te disse, as idas a Londres são sempre oportunidade de, para além do teatro, se visitarem as magníficas exposições que a capital inglesa sempre propõe. Desta feita lá vi uma exposição temporária (“Facing the Modern – The Portrait in Vienna 1900”), patente na National Gallery, dedicada à Viena de que nos fala Stefan Zweig e que desapareceu na I Grande Guerra - a Viena de Freud, Mahler, etc.  Assim, ali estavam, para meu maravilhamento, quadros de Klimt, Kokoschka, Gerstl, Koller, Schiele, até Arnold Schoenberg. Mas não vamos falar disso aqui. Deixo-te apenas a reprodução do quadro magnífico de Schiele, talvez o que mais me marcou em toda a exposição. E já que de pintura estou a falar, confesso-te que fiquei pregado ao chão (isto já na Tate Modern) com um magnífico quadro da “nossa” Vieira da Silva, que me maravilhou depois de eu ter visto as salas Rothko e Gerhard Richter, o que não é dizer pouco!

Egon Schiele, Retrato de Albert Paris von Gütersloh

Tal como não mais esquecerei o verso d’O Sonho de Uma Noite de Verão que ouvi por Judi Dench há cerca de dois anos, e de que te falei aqui (“What angel wakes me from my flowery bed?”), também agora ficaram impressos em mim para sempre três versos de um dos diálogos entre Beatrice e Benedick na I Cena do IV Acto:

Bea: I love you with so much of my heart, that none is left to protest.
Ben: Come, bid me do anything for thee.
Bea: Kill Claudio
(Acto IV, Cena I)

O “Kill Claudio” foi impagável!

Jorge Rodrigues