Aplaudi a récita de "Siegfried", pelo esforço e pela coragem dos cantores. Eles entregam-se de corpo e alma e dão tudo o que têm (e o que não têm) para que Graham Vick saia daqui em glória, mesmo prejudicando as suas prestações vocais.
Stefan Vinke não será um verdadeiro tenor heróico e, na cena em que forja a espada, como em vários outros momentos, a voz estica para lá do limite das suas capacidades, deixando-nos a duvidar se ele aguentará mais dois actos e mais uma série de récitas. Aguenta mais dois actos, sim, graças a uma entrega total ao papel e à interpretação que Vick pretende dele. Mas na cena da floresta, quando se questiona sobre os pais que nunca viu, como seriam eles (Aber, wie sah meine Mutter wohl aus?), falta a beleza e o lirismo na voz. Noutros momentos cruciais, quando atinge o rochedo de Brünnhilde no III acto (Selige Öde auf sonniger Höh'!) e durante o dueto final, a voz já está cansada de tanta correria. Já lá iremos.
Johann Werner Prein já tinha demonstrado a sua competência como Alberich ("O Ouro do Reno") e como "médico" na produção memorável de "Wozzeck" no CCB. Apresenta-se novamente no papel do nibelungo e em excelente forma.
Uma óptima surpresa foi Colin Judson. Cénica e vocalmente, talvez seja ele o cantor mais convincente desta produção. É um verdadeiro tenor de carácter e a pele do anão Mime assenta-lhe como uma luva.
Samuel Youn parece-me ser o melhor dos três Wotans que pisaram a arena do Teatro de São Carlos. Apesar da muito discutível visão que Vick nos dá sobre a personagem sábia e nobre que é Wotan, fazendo dele um bêbedo andrajoso e repelente (em "Siegfried" ele é um Wanderer, um homem que caminha sem cessar, perturbado, ansioso, desesperado, um deus que já não controla os acontecimentos), Youn cumpre bem o seu papel e consegue emocionar quando se encontra com Erda no início do III acto.
Susan Bullock já tinha impressionado n'"A Valquíria" e acorda bem na cena final de "Siegfried", após alguns percalços técnicos. Algo terá corrido mal no sistema hidráulico(?) na récita de 6 de Outubro. Siegfried devia subir a rampa que não abriu convenientemente, o que obrigou a uma curta interrupção e ao encolher de ombros do maestro Letonja, que não percebia o que se estava a passar. Siegfried entrou em cena afogueado, não por ter atravessado as chamas do fogo mágico que não existe, mas por ter tido de correr desde o interior da plataforma/palco até surgir pelo lado do palco/plateia. Lá cantou, quase sem fôlego, Selige Öde auf sonniger Höh'! e acordou Brünnhilde, retirando-a finalmente do saco mortuário. E aqui esvai-se o encanto da cena. Para que não nos esqueçamos que Siegfried é filho dos gémeos Siegmund e Sieglinde (n'"A Valquíria" de São Carlos interpretados por um cantor negro e por uma cantora loura), Stefan Vinke mantém-se durante várias horas em cena com metade do corpo pintada de preto. No final, a cor começa a desbotar e a pobre Brünnhilde, apesar dos cuidados, fica mascarrada. Supostamente eles estão apaixonados e abraçam-se e beijam-se com fervor, mas o que o público pressente é o medo que os cantores têm do ridículo.
Uma nota sobra a orquestra. Que não é wagneriana, já o sabemos. Que tem deslizes e dificilmente transmite as cores e as texturas da partitura, não nos surpreende. Contudo, esteve bem em alguns momentos, principalmente no III acto, cujo magnífico prelúdio foi alegremente prejudicado por mais uma ideia peregrina do encenador. O público é literalmente distraído por figurantes, interpretando velhos que saem do palco pelas frisas, incomodando quem lá está sentado e perturbando a audição. Talvez tenha sido o melhor momento da orquestra, assim desperdiçado devido à despudorada falta de respeito de Vick pelo compositor. Não se limitando a deturpar as características das personagens e dos ambientes exigidos pelo libreto de Richard Wagner, o encenador acrescenta sons e figurantes desnecessários que inibem a fruição musical. A gaiola metálica que representa a gruta de Mime no I acto é mais um objecto ruidoso e irritante. O "Anel" de Lisboa é, cada vez mais, o "Anel" de Graham Vick.
Muito bem esteve o solista que toca a trompa de Siegfried no II acto.
Stefan Vinke não será um verdadeiro tenor heróico e, na cena em que forja a espada, como em vários outros momentos, a voz estica para lá do limite das suas capacidades, deixando-nos a duvidar se ele aguentará mais dois actos e mais uma série de récitas. Aguenta mais dois actos, sim, graças a uma entrega total ao papel e à interpretação que Vick pretende dele. Mas na cena da floresta, quando se questiona sobre os pais que nunca viu, como seriam eles (Aber, wie sah meine Mutter wohl aus?), falta a beleza e o lirismo na voz. Noutros momentos cruciais, quando atinge o rochedo de Brünnhilde no III acto (Selige Öde auf sonniger Höh'!) e durante o dueto final, a voz já está cansada de tanta correria. Já lá iremos.
Johann Werner Prein já tinha demonstrado a sua competência como Alberich ("O Ouro do Reno") e como "médico" na produção memorável de "Wozzeck" no CCB. Apresenta-se novamente no papel do nibelungo e em excelente forma.
Uma óptima surpresa foi Colin Judson. Cénica e vocalmente, talvez seja ele o cantor mais convincente desta produção. É um verdadeiro tenor de carácter e a pele do anão Mime assenta-lhe como uma luva.
Samuel Youn parece-me ser o melhor dos três Wotans que pisaram a arena do Teatro de São Carlos. Apesar da muito discutível visão que Vick nos dá sobre a personagem sábia e nobre que é Wotan, fazendo dele um bêbedo andrajoso e repelente (em "Siegfried" ele é um Wanderer, um homem que caminha sem cessar, perturbado, ansioso, desesperado, um deus que já não controla os acontecimentos), Youn cumpre bem o seu papel e consegue emocionar quando se encontra com Erda no início do III acto.
Susan Bullock já tinha impressionado n'"A Valquíria" e acorda bem na cena final de "Siegfried", após alguns percalços técnicos. Algo terá corrido mal no sistema hidráulico(?) na récita de 6 de Outubro. Siegfried devia subir a rampa que não abriu convenientemente, o que obrigou a uma curta interrupção e ao encolher de ombros do maestro Letonja, que não percebia o que se estava a passar. Siegfried entrou em cena afogueado, não por ter atravessado as chamas do fogo mágico que não existe, mas por ter tido de correr desde o interior da plataforma/palco até surgir pelo lado do palco/plateia. Lá cantou, quase sem fôlego, Selige Öde auf sonniger Höh'! e acordou Brünnhilde, retirando-a finalmente do saco mortuário. E aqui esvai-se o encanto da cena. Para que não nos esqueçamos que Siegfried é filho dos gémeos Siegmund e Sieglinde (n'"A Valquíria" de São Carlos interpretados por um cantor negro e por uma cantora loura), Stefan Vinke mantém-se durante várias horas em cena com metade do corpo pintada de preto. No final, a cor começa a desbotar e a pobre Brünnhilde, apesar dos cuidados, fica mascarrada. Supostamente eles estão apaixonados e abraçam-se e beijam-se com fervor, mas o que o público pressente é o medo que os cantores têm do ridículo.
Uma nota sobra a orquestra. Que não é wagneriana, já o sabemos. Que tem deslizes e dificilmente transmite as cores e as texturas da partitura, não nos surpreende. Contudo, esteve bem em alguns momentos, principalmente no III acto, cujo magnífico prelúdio foi alegremente prejudicado por mais uma ideia peregrina do encenador. O público é literalmente distraído por figurantes, interpretando velhos que saem do palco pelas frisas, incomodando quem lá está sentado e perturbando a audição. Talvez tenha sido o melhor momento da orquestra, assim desperdiçado devido à despudorada falta de respeito de Vick pelo compositor. Não se limitando a deturpar as características das personagens e dos ambientes exigidos pelo libreto de Richard Wagner, o encenador acrescenta sons e figurantes desnecessários que inibem a fruição musical. A gaiola metálica que representa a gruta de Mime no I acto é mais um objecto ruidoso e irritante. O "Anel" de Lisboa é, cada vez mais, o "Anel" de Graham Vick.
Muito bem esteve o solista que toca a trompa de Siegfried no II acto.
Siegfried aprende a linguagem dos pássaros (daqui)