Jonas Parsifal Kaufmann |
Há cerca de treze doze anos (em Fevereiro de 2001), o Teatro de São Carlos apresentou um "Parsifal" memorável, dirigido por Zoltán Peskó Gabor Ötvös, com Poul Elming e Eva Marton. A encenação, não sei já de quem (de Thomas Kiemie), vinha importada da Alemanha e era feia como estas tempestades de Março, mas o nível musical foi de excelência. [Agradeço a ajuda de Elvira Ferreira, que me permitiu corrigir e completar a informação. Elvira Ferreira foi uma das magníficas Raparigas-Flores nesta produção.]
Assistir a uma récita de "Parsifal" é uma experiência que não se esquece. A última ópera de Richard Wagner transporta-nos para o universo místico do Graal e para uma espiritualidade que vai para além do cristianismo, e não é preciso ser crente para sentir a busca do divino. Essa procura contínua, incessante, pressente-se ao longo da composição que talvez melhor sintetize a obra de Wagner. É um testamento. As várias harmonizações à volta dos motivos que surgem no prelúdio do I acto e que reaparecem, desenvolvidos e transformados, ao longo de toda a ópera - como quem procura, procura, mas não sabe exactamente o quê, não resolve e volta atrás -, fazem da partitura de "Parsifal" a criação mais sublime do Mestre de Bayreuth.
Agora, graças à Fundação Gulbenkian, pudemos ouver em directo, em Lisboa, o "Parsifal" do Met, que tem dado muito que falar, ou não fossem o tolo puro e Gurnemanz interpretados por Jonas Kaufmann e René Pape.
Gurnemanz (René Pape) e a Irmandade do Santo Graal (I acto) (© BBC Radio 3) |
Jonas Kaufmann e René Pape com o cisne morto (I acto) (© BBC Radio 3) |
Nos intervalos, as opiniões sobre a encenação dividiam-se; já sobre o que se ouvia parecia haver mais consenso. Pela minha parte, habituado que estou a desgostar das encenações, achei esta, de François Girard, muito boa nos actos I e III, com cenários despojados mas cheios da atmosfera criada pelas projecções em pano de fundo. A essência de "Parsifal" estava lá, a evocação dos rituais da Irmandade do Graal através dos movimentos coreografados sublinhava o aspecto meditativo e denso da partitura, e o homem do jogo, Peter Mattei, deu-nos uma interpretação magnífica, também do posto de vista cénico, do sofrimento de Amfortas.
(© René Pape - FB) |
Peter Mattei e René Pape (I acto) |
Peter Mattei - o homem do jogo (III acto) (© BBC Radio 3) |
Preferia que o santuário do Santo Graal se encontrasse no castelo medieval de Monsalvat, porém "Parsifal" é uma missa intemporal, um festival sacro, e a actualização não desvirtuou o sentido da história e, acima de tudo, não estragou a música. No entanto, o II acto é outra conversa. Inundar o chão de sangue e transformar as raparigas-flores em belas vampiresas - ou então o que eram? -, além do desconforto que há-de causar aos cantores, rouba à cena o ambiente de sedução que está definido no libreto e na música. Por alguma razão Richard Strauss, quando esteve em Sintra, terá imaginado a Pena como cenário ideal para o jardim mágico e o castelo de Klingsor. Klingsor, por sinal, foi o excelente Evgeny Nikitin, o tal da história das tatuagens. O papel assenta-lhe como uma luva.
Evgeny Nikitin (© BBC Radio 3) |
Cena de Parsifal e Kundry (Katarina Dalayman) no II acto:
Mas o que se ouviu foi muito bom, por vezes sublime. Daniele Gatti, optando em várias ocasiões por tempos mais lentos do que é habitual ouvir-se em "Parsifal", deu-nos uma versão maravilhosa, graças à qualidade da orquestra e dos cantores em geral. Naturalmente, há que dar o desconto à batota da amplificação das vozes. As últimas transmissões do Met a que tinha assistido na temporada passada foram-me tão cansativas que decidi fazer greve, abrindo a excepção óbvia no Sábado passado. Em boa hora.
(A BBC Radio 3 ainda nos deixa ouvir a transmissão por mais um dia.)
P.S. Como diz o Joaquim, una camisa blanca, ben entallada i planxada, dóna una prestància i elegància a qui la porta, del tot recomanable.
Mais um ou dois posts deste género, e convences-me a tentar descobrir as óperas de Wagner!
ResponderEliminarPor enquanto ainda não lhes encontrei a magia. Falha minha, claro. Mas mais um ou dois posts deste género, e ainda me converto!
:)
Se não sentires a chamada não vás lá, se bem que me faça espécie as pessoas gostarem de música e não gostarem de Wagner.
EliminarCaro Paulo,
ResponderEliminarna produção do "Parsifal" levada à cena em São Carlos, no ano de 2001, a direcção orquestral encontrava-se, salvo erro, a cargo de Gabor Otvos.
Tem razão, Hugo. Peço desculpa pelo lapso e vou já tratar de emendar. Estava convencido de que o maestro tinha sido Peskó e não tinha como comprovar porque não sei onde pára o programa de sala.
EliminarObrigado pela correcção.
Caríssimo Paulo,
Eliminaraproveitava o ensejo para inquiri-lo relativamente a uma outra produção wagneriana em São Carlos, designadamente, os Mestres Cantores de 1998, protagonizados por Bernd Weikl, Michael Pabst, Gwynne Geyer, Roy Stevens e Lani Poulson, sob a égide de Gregor Buhl. Existiria alguma possibilidade de identificação do intérprete de Pogner?
Esse programa encontrei-o logo! Pogner foi interpretado por Hans Tschammer. Se a memória não me falha, foi também ele que cantou Gurnemanz em 2001.
EliminarGrato pela celeridade do "feedback".
EliminarOra essa, caro Hugo.
Eliminar(Só espero que a memória não me falhe no caso de Gurnemanz como falhou em relação ao maestro.)
Absolutamente, caro Paulo.
EliminarHans Tschammer interpretou, de facto, Gurnemanz no Parsifal aludido, integrando um elenco composto por Poul Elming, Eva Marton, Siegfried Lorenz, Robert Holzer e Karsten Mewes.
Obrigado mais uma vez, Hugo.
EliminarEu gostei muito do que ouvi. Do que vi, menos, mas achei aceitável. Como dizes, não desvirtuou o sentido da história nem estragou a música (depois conto o que no Scala fizeram ao Holandês...)
ResponderEliminarJá no terceiro acto, estava demasiado esgotada para apreciar.
Já irei ler.
EliminarExcelente texto Paulo, obrigado.. Estou de acordo com as suas apreciações.
ResponderEliminarObrigado, Fanático_Um. Também li a sua opinião sobre a amplificação das vozes. Bem sei que tem que se fazer, mas muitas vezes elas soam-me demasiado artificiais.
EliminarOlá Paulo. Ainda bem que fala na amplificação das vozes nas transmissões do Met porque achava que era embirração minha porque não gosto do meio e sinto-me muito estúpido na Gulbenkian sem saber se estou a ver um video ou um filme mas com a certeza que não estou a ver uma ópera nem a escutar um disco. Acho tudo muito artificial mas... como nunca viajei a terras americanas nem pus os pés no Met guardei a minha opinião para mim até ao momento. Pessoalmente prefiro um recital assim/assim do que uma transmissão do Met.
ResponderEliminarLembro-me muito bem do Parsifal. Foi a estreia da Marton num dos papeis que nasceu para cantar convencida a ensaia-lo em Lisboa graças à sagacidade do então Director do S. Carlos. Bons tempos em que tinha-mos ópera em Lisboa e no entanto eram tantas as pessoas que se queixavam e que desvalorizavam o que cá se fazia com um orçamento não propriamente sumptuosa.
Bons tempos, sim.
EliminarPenso que Eva Marton estreou a Kundry cá e só voltou a cantá-la em Barcelona. Não sei se a informação é correcta.
Na realidade, a ordem é inversa: Eva Marton estreou-se no papel de Kundry em Barcelona, no mês de Dezembro de 1998, pese embora, não possa precisar se a apresentação em causa tenha ocorrido em forma encenada ou concertante.
EliminarIsto hoje está-me a correr tão mal.
EliminarOuvi essa produção de São Carlos,estava esgotado e consegui entradas para o ensaio geral. Magnífica de facto. Só um reparo: as tempestades de Março são mais belas do que aquela encenação, cenografia e guarda roupa.
ResponderEliminarAcho que tem razão, João Alves.
EliminarOlá, Paulo
ResponderEliminarSó hoje vi o seu post. E partilho-o em outras paragens...
Para mim, esta récita foi um esplendor. A do São Carlos, há uns anos, também foi impressionante, não obstante os aspetos que referiu, menos conseguidos, da encenação, mas foi memorável.
Agora esta, para mim, foi completamente wagneriana ( no sentido de nos querer converter a uma comunhão estética e espiritual), no 1.º e 3.º atos, foi fortíssima, metafísica, reforçada pela encenação, pela cenografia, pelo desenho de luz, totalmente dirigida uma contemporaneidade que perdeu todas as referências, que está moribunda e à espera de uma qualquer estocada final. Olhe, Paulo, adorei...
Continuação de boas récitas e Boa Páscoa!
Elsa Mendes