8.4.08

Zefiro torna

Para os antigos gregos, Zéfiro era o vento do Oeste, que fecundava as éguas lusitanas e lhes tornava os potros velozes. Por estes dias, o vento parece vir de todos os lados e em nada se assemelha à brisa benfazeja, favorável, mensageira da Primavera. A flora, que Zéfiro deveria agora afagar, anda num rodopio pelos ares.

Zéfiro e Flora, de William-Adolphe Bouguereau (1875)

Mas, para os mesmos gregos, Zéfiro era ainda uma das partes de um triângulo amoroso. O belo e atlético Jacinto, por quem Zéfiro estava apaixonado, era amado também por Apolo, que descurava todas as suas outras actividades para estar junto dele. Um dia, Apolo lançou o disco o mais alto que pôde para impressionar Jacinto. Este correu para o apanhar, mas o ciumento Zéfiro desviou-o com um sopro e o disco atingiu o jovem mortalmente. Apolo, desolado, tentou reanimá-lo, mas já nada havia a fazer. Inconsolável, não o deixou partir, transformando-o numa flor.

A Morte de Jacinto, de G. B. Tiepolo (1752/3), no Museo Thyssen-Bornemisza

Está bom de ver que esta história fornece temática mais que suficiente para interessar artistas de vários quadrantes, mas, por razões que me ultrapassam, as artes performativas andaram durante muito tempo presas a um conservadorismo que pintores e escultores enviaram para outras bandas. Quando Mozart compôs a ópera Apollo et Hyacinthus, aos onze anos de idade, o enredo foi "ligeiramente" alterado pelo libretista (o padre Rufinus Widl): Apolo e Zéfiro passaram a desejar Melia, irmã de Jacinto.

Para o bucólico Monteverdi, Zéfiro permanece uma brisa suave que acaricia os prados e as flores.


Zefiro torna

Zefiro torna, e di soavi accenti
l’aer fa grato e’l pié discioglie a l’onde,
e, mormorando tra le verdi fronde,
fa danzar al bel suon su’l prato i fiori.

Inghirlandato il crin Fillide e Clori
note temprando amor care e gioconde;
e da monti e da valli ime e profonde
raddoppian l’armonia gli antri canori.

Sorge più vaga in ciel l’aurora, e’l sole,
sparge più luci d’or; più puro argento
fregia di Teti il bel ceruleo manto.

Sol io, per selve abbandonate e sole,
l’ardor di due begli occhi e’l mio tormento,
come vuol mia ventura, hor piango, hor canto.

Ottavio Rinuccini/Claudio Monteverdi


10 comentários:

  1. Que bela história contas hoje aqui. Como eu gostava de ver um Zéfiro tão formoso como o da pintura, a soprar meigamente o meu jardim e a lagoa.
    Será que esse gentil Zéfiro se transformou com a idade tendo destes ímpetos avassaladores que arranca flores, levanta telhas e tudo aquilo que não está firmemente agarrado?
    :)))))))))
    Estavamos muito precisados de chuva. Do vento nem por isso.
    Já estamos bem. Obrigada pela preocupação

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  2. Não obstante o seu mau feitio, seja muito benvindo quando traz chuva. Se tivesse a suavidade desta música provavelmente não traria uma pinga...

    (Ass. a chata da chuva)

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  3. Bem vinda a chuva mas acompanhada de um Zéfiro suave como uma pétala de rosa.
    Uma coisa que eu nunca percebi os deuses gregos não envelheciam não é? Então Zéfiro se ainda andar por aí deve andar arrebitado e moçoilo, características próprias da idade.

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  4. Não saí de casa mas gosto do poder do vento, da água... lendo mais um capítulo de mitologia grega. Sem preconceitos, foi onde mais alto chegámos na elevação do espírito...

    Agradecido

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  5. No estoy muy de acuerdo contigo, el viento que entro loco, girante (rodopio) acabó dando paso a la lluvia generosa. Tan necesitada la lluvia para la flora anticipada. Ahora sí que acaricia y alienta (afagar). La IV oda del libro primero de Horacio bien se refere al Céfiro en versión romana:"Solvitur acris hiems grata vice veris et Favoni,
    trahuntque siccas machinae carinas,
    ac neque iam stabulis gaudet pecus aut arator igni,
    nec prata canis albicant pruinis."
    La versión portuguesa no la conozco, pero en castellano la oda viene a dar la bienvenida a la primavera y el adiós al invierno, aunque éste no le apreciemos ya. Saludos, y con esta lluvia el Monte-es-verde:Monteverdi, juego de palabras.

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  6. Não tenho nada contra a chuva, mas quando ela vem em demasia não é bom. Já há quem se queixe dos estragos. Os meus não são de grande monta: umas roseiras carecas e pouco mais. O Zéfiro não anda suave como uma pétala de rosa; parece zangado, talvez arrependido do seu acto, ou à procura de nova presa.

    Obrigado pelos vossos gentis comentários.

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  7. Pois é, Paulo, o Zéfiro deve andar aborrecido por causa de qualquer outro rapaz... Só assim se explica tanta zanga.

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  8. Dizem que é esta a época propícia às paixões. Andando Zéfiro por aí, moçoilo e atrevido, se o eleito o recusar, estamos mal... Se virem discos por aí a voar, não corram para os apanhar.

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  9. Pois eu cá acho que Zéfiro anda outra vez ciumento. Então hoje parece que perdeu completamente as estribeiras lá para os lados de Santarém. Quem lhe estará na mira?

    Quanto a esta obra de Monteverdi, também tenho esta gravação e gosto muito.

    Bjs.

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  10. Finalmente acalmou, depois de tamanho desvario. Largou as asas de águia e voltou a colocar as asinhas de borboleta, como a Ana Ramon gosta.

    (Cigarra, pois tens!)

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