EM CASA DE JORGE DE SENA
Em fins de Maio pedi a Mécia de Sena que me desse uma longa entrevista para, com a mesma, alicerçar a “Semana Jorge de Sena” que o programa ESFERAS da CSB Rádio vai transmitir a partir de 28 de Setembro. Depois do seu simpático assentimento tratei de tudo: viagem, leituras, e tudo aquilo que é necessário para uma viagem destas – inclusive, declarar à Emigração dos EUA que nunca fui comunista, terrorista, e outras calamidades tais. Por coincidência espantosa recebi, dias depois de tudo combinado, uma carta de Mécia de Sena informando-me que Portugal finalmente iria receber os restos mortais do escritor. O seu a seu dono: a ideia partiu do actual Ministro da Cultura.
Isso não me coibiu de partir, obviamente, e, assim, cheguei a Santa Barbara, Califórnia, perto de Los Angeles, e estou desde então hospedado naquela que foi a última morada do escritor, onde a viúva ainda habita. E em Santa Barbara, na sua Universidade, o último local onde leccionou, Jorge de Sena é uma figura mítica. Continua a ser!
Têm sido dias estranhos: por um lado, este período suscita a Mécia de Sena recordações, saudades, revolta pelo facto de só passados 30 anos estar a acontecer o regresso do escritor a Portugal; por outro, felicidade por isso finalmente se realizar. Claro que não vou aqui contar o que ela me tem dito (têm sido dias e dias de conversa, e isso ficará para o programa radiofónico), mas o que me é mais estranho é habitar o espaço do escritor: utilizar a mesa onde ele tomava as refeições, pegar nos livros dele, ter a sua biblioteca à minha disposição, manejar os seus objectos e papeis, ver as suas fotografias, ouvir os seus discos – sim, aqueles mesmo de que ele fala no seu livro “Arte de Música”! – e ter a sensação de que ele continua vivo, não em estatuto (obviamente que assim continuará), mas mesmo em carne e osso, como se ele fosse entrar por aquela porta agora mesmo.
A casa é uma biblioteca, com milhares e milhares, e milhares de volumes, e estou neste momento a escrever num dos quartos, aquele em que estão os livros de biografias e da literatura brasileira. Mécia de Sena deixou tudo organizado como estava (dos livros falo, e do seu local e arrumação), e, assim, há a secção de história, a secção de literatura francesa, a de literatura inglesa, e por aí fora. Mécia de Sena tem passado os últimos 30 anos a sistematicamente arrumar, catalogar, salvar tudo o que é documento e recordação. Portugal dever-lhe-á ter um acervo absolutamente impecável e organizado – estive, por exemplo, há pouco, com o programa de um “Don Carlo” que Sena ouviu em São Carlos, aquele com Christoff, Bergonzi, Cerquetti, Simionato... tremeram-me as mãos, mas é natural: imaginar que ele o segurou durante toda a récita, há já mais de 50 anos.
E há a Califórnia, há o sol, houve no passado dia 6 a tal lua que deixou a “noite inchada”, e há, da minha parte, uma intensa comoção. Isto é um texto à pressa; serve apenas para partilhar contigo, Paulo, a maravilha e a exaltação que têm sido para mim estes dias.
Recebe um abraço deste português “comovido a oeste”
Jorge
Há muito não referias no teu blog a excelência da palavra ou do gosto musical do teu amigo Jorge Rodrigues; deve ser muito bom receber uma carta assim, e ainda mais a extraordinária vivência que ele está a ter na Califórnia.
ResponderEliminarAbraço.
Grandeza comovente!
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