Kirsten Flagstad como Brünnhilde (©) |
Kirsten Flagstad deixou-nos a 7 de Dezembro de 1962, há exactamente cinquenta anos. Nasceu a 12 de Julho de 1895 em Hamar, na Noruega, e veio a ser a maior soprano wagneriana do século XX, se não de todos os tempos. Os seus pais, músicos profissionais, ter-se-ão apercebido do gosto pela música e do talento em potência da jovem Kirsten e, no dia do seu décimo aniversário, ofereceram-lhe a partitura de "Lohengrin". Elsa von Brabant foi o seu primeiro papel wagneriano, que estreou em Oslo em 1929.
Euch Lüften, em 1937
Em 1933, depois da sua primeira Isolde, em Oslo, foi chamada a cantar em Bayreuth, onde rapidamente passou de pequenos papéis para Sieglinde, ao lado da Brünnhilde de Frida Leider. Seguiu-se Nova Iorque. Em 1935, além de Sieglinde, Elsa e Elisabeth, Flagstad cantou Isolde, a sua primeira Brünnhilde e a sua primeira Kundry.
Ich sah das Kind, em 1951
Após o êxito extraordinário no Met, Flagstad estabeleceu-se como a grande intérprete de Brünnhilde, Isolde e Kundry e a sua carreira centrou-se, nos anos seguintes, principalmente nestes papéis, que cantou em várias cidades dos Estados Unidos e em Londres. Com Lauritz Melchior, Kirsten Flagstad fez o par wagneriano mais sensacional de todos os tempos: Isolda e Tristão, Brünnhilde e Siegfried, Elisabeth e Tannhäuser, Kundry e Parsifal.
O sink hernieder
Em 1941, Flagstad regressou dos Estados Unidos à Noruega, fazendo a sua entrada na Europa por Lisboa. Que se saiba, não cantou cá. A menos que tenha gritado Hojotoho ao passar à Torre de Belém.
Acabada a Guerra, Flagstad voltou a cantar nos Estados Unidos, na América do Sul e em Londres, mas a artrite que desenvolveu a partir de 1951 levou-a a decidir deixar os palcos de Ópera, aparecendo pela última vez em Oslo, como Dido, em 1953.
Thy hand, Belinda... When I am laid in earth, em 1948
Retirou-se da Ópera, mas não abandonou a carreira. Kirsten Flagstad continuou a dar concertos e a gravar em estúdio. Já em 1950, com Wilhelm Furtwängler, fizera a estreia mundial das Quatro Últimas Canções de Strauss, cumprindo o desejo do compositor, entretanto falecido. Esse momento, no Royal Albert Hall, ficou registado numa gravação preciosa.
Im Abendrot
Das suas últimas gravações destaca-se "Tristan und Isolde", ainda em 1952, com 57 anos (com Ludwig Suthaus e a direcção de Furtwängler),
Liebestod
e a sua participação como Fricka em "Das Rheingold", em 1958, na célebre Tetralogia dirigida por Georg Solti (com a Filarmónica de Viena, para a Decca), em que Birgit Nilsson viria a ser Brünnhilde. George London era Wotan. A morte de Kirsten Flagstad, após uma década de sofrimento devido à sua débil saúde, a culminar com o diagnóstico de um cancro, impediu-a de continuar a gravação d'O Anel do Nibelungo. Nesses últimos anos, a qualidade da voz mantinha-se, embora Flagstad cantasse na tessitura de mezzo-soprano.
Wotan, Gemahl, erwache!
Regressando aos tempos gloriosos, e porque Kirsten foi acima de tudo uma valquíria, termina-se esta pequena homenagem (apesar de o post já ir longo) com a cena final de Crepúsculo dos Deuses, a Imolação de Brünnhilde, como ela a cantou e Furtwängler a dirigiu em Covent Garden, corria o ano de 1937.
Biography
Wikipedia
Um post para eu me deliciar assim que tiver tempo, durante este fim de semana. Obrigada, Paulo.
ResponderEliminarSem pressas, Gi. Ele fica aqui.
EliminarGenial a Flagstad, genial o post, Paulo. Parabéns, sinceramente.
ResponderEliminarPoucos cantores líricos (o Fisher-Dieskau, a Horne, a Caballé) merecem uma homenagem assim.
Obrigado, Mário. Hoje impunha-se uma homenagem a kirsten Flagstad, apesar de ela estar sempre presente ali em cima.
EliminarNunca tinha lido sobre a vida de Flagstad. Realmente, tinha tido alguma curiosidade sobre como se teria ela tornado uma estrela da Met, porque já tinha ouvido algumas gravações no YT. Obrigado por este resumo!
ResponderEliminarOntem estive a ler sobre Tetrazzini. Imaginar-se-ia que terminou a sua vida a cantar em Vaudevilles?
Quanto a Tetrazzini, não, não se imaginaria.
EliminarJá aqui tinha andano mas tenho tido grandes dificuldades em aceder. Obrigado Paulo por este magnífico "post". É para ir degustando...
ResponderEliminarVenha, Fanático_um. Espero que sem dificuldades.
EliminarMuitos parabéns, Paulo, pela magnífica homenagem à única cantora que, como várias vezes disse, é melhor voz do século XX em ópera.
ResponderEliminarQueria acrescentar ao excelente texto do Paulo o facto da Flagstad estar a pensar em retirar-se quendo surge o convite para o Met para cantar a Sieglinde. Nesse dia, 2 de Fevereiro de 1935, a cantora no ano do seu quadragésimo aniversário torna-se numa noite a maior cantora wagneriana do mundo e desse facto podemos já ouvir o testemunho da comentadora da noite dessa Valquíria, transmitida na rádio e que não era nem mais nem menos do que Geraldine Farrar, a célebre cantora, já retirada de cena desde 1922 e na altura comentadora das récitas do Met. É ela que afirma que hoje nasceu uma estrela. Essa célebre récita está registada e hoje é possível ouví-la em três cds. Numa ida a Londres encontrei-a na Tower Records e hoje faz felizmente parte da minha cedoteca.
Ainda sobre a chegada a Lisboa talvez seja interessante que era essa maneira de entrar numa Europa em guerra, seguindo depois para a alemanha de Hitler para depois se juntar ao marido na sua Noroega ocupada. Por acto a Flagstad iria pagar bem caro, mas essa é outra história.
Sobre a voz dela queria citar três opiniões carregadas com a autoridade do seu saber.
O grande crítico Alan Blyth, propósito dos 40 anos da morte da Flagstad, na edição da Gramophone de Novembro de 2002, diz:
“Claiming that Kirsten Flagstad had simply the greatest voice of the last century would be undoubtedly provoke a storm of controversy. But if I say that hers was the among top 10, I think most connoisseurs of the art of singing would agree. Certainly, she possessed one of most glorious God-given instruments ever preserved on disc.”
O outro grande crítico inglês, John Steane,que juntamente com Blyth são os dois príncipes da crítica inglesa de ópera, afirma no seu fundamental livro The Great Tradition, pag. 324:
“When she sings Sieglinde’s solos on a record issued in 1956, one recalls that was the role in witch she made her debut at the Metropolitan 1935, and that first Act of the performance is recorded. Compare the young voice and the old, and to an astonishing extend they sound the same.”
A propósito da sua gravação de Fricka em 1958, já com 63 anos, e referindo-se à sua entrada e que o Paulo nos apresenta nesta sua homenagem, é interessante ler o que o produtor do “Ring” do Solti, John Culshaw, diz a propósito da Orquestra Filarmónica de Viena:
“At about 16:20 that afternoon we made our first test of the opening of the second scene and when Flagstad sang her first line – “Wotam! Gemahl! Erwache!” – the entire orchestra turned round to gape in amazement, so extraordinary was the authority and power of her voice”.
Para terminar e querendo falar de uma escolha difícil, os possíveis 10 essenciais da Flagtad eu colocaria:
Tristão e Idolda (EMI, Furtwangler)
Kirsten Flagstad, Volume 1: The early recordings 1914-1941 Simax PSC 1821
Kirsten Flagstad, Wagner Arias Duets with Melchior RCA GD87915
Kirsten Flagstad Wagner Wesendonck Lieder Arias EMI T7243 5 62957 2
Kirsten Flagstad Farewell Concert … Palladio PD 4218
Die Walküre – III act Myto 1MCD 914.43
Die Walküre: Act II (Reiner: Schorr, Flagstad, Melchior, Lehmann,…) Music and Arts CD-1048(1)
Beethoven, Fidelio (31.12.1938) LYS 384-385
Wagner, Die Walkure (2.2.1935) Archipel Desert Island Collection ARPCD 0039-3
Kirsten Flagstad Grieg Haugtussa 14 Songs Decca London 440 493-2
Caro Raul,
EliminarObrigado pelas valiosíssimas informações que aqui deixou e pela lista de essenciais de Kirsten Flagstad.