O perfume da Reseda que vi no Dias com árvores trouxe-me à memória uma canção que Richard Strauss (1864-1949) compôs a partir de um poema de Hermann von Gilm (1812-1864): "Allerseelen".
Penso que a voz cristalina de Barbara Bonney foi ouvida na Gulbenkian, pela primeira vez, em Fevereiro de 1992. O Grande Auditório esteve longe de encher e, perto do final, restavam talvez uns dez espectadores, que foram descendo para as primeiras filas. Não sei se a cantora se lembrará desse magnífico recital. Alguns meses antes tinha apresentado o mesmo programa no Wigmore Hall, em Londres, e a casa estava cheia. Em Lisboa, Barbara e Parsons souberam que aqueles poucos espectadores bebiam a sua música e, em estado de graça, ofereceram generosamente três encores. Se há recitais que têm magia, este foi um deles. Não é todos os dias que temos Barbara Bonney a cantar só para nós e os dedos do já falecido Geoffrey Parsons tocando nas teclas com uma delicadeza ímpar. No final, após os últimos acordes de "Morgen", ouviu-se o silêncio absoluto no Grande Auditório. Ninguém ousava destruir o clima criado. O momento perpetuou-se.
Allerseelen
Stell auf den Tisch die duftenden Reseden,
Die letzten roten Astern trag herbei,
Und laß uns wieder von der Liebe reden,
Wie einst im Mai.
Gib mir die Hand, daß ich sie heimlich drücke,
Und wenn man's sieht, mir ist es einerlei,
Gib mir nur einen deiner süßen Blicke,
Wie einst im Mai.
Es blüht und duftet heut auf jedem Grabe,
Ein Tag im Jahr ist ja den Toten frei,
Komm an mein Herz, daß ich dich wieder habe,
Wie einst im Mai.
Dia de finados
Põe sobre a mesa as resedas perfumadas,
Traz também as últimas sécias vermelhas,
E falemos outra vez do amor,
Como uma vez, em Maio.
Dá-me a tua mão, para que a aperte secretamente,
E se alguém notar, tanto me faz,
Dá-me só um dos teus doces olhares,
Como uma vez, em Maio.
Hoje os túmulos estão floridos e fragrantes,
Um dia por ano é dos mortos,
Vem ao meu peito, para que eu volte a abraçar-te,
Como uma vez, em Maio.
(O CD foi gravado em 1989 e editado no ano seguinte. Esta capa pertence a uma reedição.)
Sempre que entro neste teu cantinho fico a pensar por que é que demoro tanto a visitar-te, se sinto um prazer tão grande em estar aqui a ouvir as peças soberbas que escolhes para nos oferecer. Mas depois acabo por concluir que uma das razões é a minha enorme falta de tempo. Estive a ouvir a voz magnífica da Barbara Bonney que não conhecia. Mas que momento tão sublime!
ResponderEliminarUm grande beijinho Paulo
A música e as flores estavam nos fazendo falta!!! Experiências como a que relatou são mesmo sublimes, presentes especiais para quem sabe ou merece receber!
ResponderEliminarSe calhar tanto lhe fazia que fossem muitos como poucos desde que bebessem, como dizes, a música deles. Não é esse o sentido da partilha?
ResponderEliminar:)
Penso que sim, Jardineira. Como nunca mais poderemos partilhar a música de G. Parsons numa sala e aquele momento é irrepetível, partilho convosco um pouco do que ele nos deixou e as minhas recordações. Com quem desejar vir aqui ouvir (muitos ou poucos).
ResponderEliminarJá me tinhas falado há tempos desta tua experiência melómana. Muito bonita, esta interpretação.
ResponderEliminarE que tal o Scholl, no sábado?
Ainda havemos de falar sobre esse assunto.
ResponderEliminarBjs.