Era o ano de 1988 e Novembro corria frio e molhado em Barcelona. Comprámos o Guía del Ocio para nos inteirarmos do que se passava na cidade e ficámos a saber que Joan Sutherland e Alfredo Kraus cantavam "Lucia di Lammermoor" nessa noite. Ora... e bilhetes? pensámos, desanimados. Dirigimo-nos à Praça da Catalunha e começámos a descer as Ramblas até nos depararmos com o Gran Teatre del Liceu.
Por desfastio, embora descrentes, perguntámos na bilheteira se ainda haveria dois bilhetinhos para mais logo. Para nosso grande espanto e felicidade, havia, sim, poucos e com visibilidade reduzida.
No velhinho Liceu, antes do incêndio, havia duas entradas: a boa, na Rambla dels Caputxins, e a dos pobrezinhos, no Carrer de Sant Pau. Subimos as escadas até ao topo e tomámos os nossos lugares. Quase podíamos tocar no tecto. Do cenário víamos pouco mas isso não importava. Se nos empoleirássemos ligeiramente, por vezes até conseguíamos ver a Lucia e o Edgardo. E quando eles cantavam, apesar de já terem ambos passado o apogeu havia muito, o teatro inteiro vibrava. A Cena da Loucura de Lucia deixou o público em delírio. No final de uma récita inesquecível, o Liceu inteiro saiu à Rambla em euforia. Dois anos mais tarde, Joan Sutherland retirou-se dos palcos. Ontem, retirou-se da vida.
Como Lucia, em Covent Garden (1959)
(Imagens daqui)
(Imagens daqui)
A Cena da Loucura, como Joan Sutherland a cantou em Barcelona em 1988:
A Teresa é uma das maiores fãs de Dame Joan Sutherland que conheço. Leia aqui as suas entradas sobre La Stupenda, nomeadamente a que fala da sua experiência em Lisboa, quando cá cantou "La Traviata", em Abril de 74.
ADENDA: A Antena 2 tem disponível online o Império dos Sentidos de hoje. Paulo Alves Guerra e João Pereira Bastos falam de Joan Sutherland e deixam-nos ouvir excertos das suas gravações e de uma interessante entrevista concedida por Dame Joan ao próprio João Pereira Bastos, com perguntas fornecidas por Jorge Rodrigues para o programa "Vozes de São Carlos", de que era autor.
Nunca tive a sorte de ouvir ao vivo "La Stupenda". Mas foi com ela que aprendi a gostar de ópera, sobretudo do belcanto. Hoje, ninguém canta como a Sutherland, uma das maiores de sempre que nunca será esquecida. Tenho várias gravações dela, mas há uma velhinha, em CD de 1959, que tem a famosa cena da loucura da Lucia que nunca ninguém igualou. Oiço-a, pelo menos, uma vez em cada mês. E continuarei a fazê-lo porque, para um amante do belcanto, é insuperável!
ResponderEliminarE às primeiras horas do domingo, 10/10/10 " La Stupenda " é chamada para cantar no Valhalla os maviosos sons do pássaro da floresta, tão bem registrado no espetacular projeto da DECCA para o " Anel " por John Culsak sob a batuta de Georg Solti.
ResponderEliminarCai o pano. Tutto è silenzio...
Requiescat in Pace, " Dame " Joan Sutherland !
Esta perda deixa-me profundamente triste. Tão triste como nunca pensei que alguma vez pudesse ficar por alguem que não conheço. Mas afinal, que fazia parte do meu dia-a-dia.
ResponderEliminarBelo texto Paulo.
ResponderEliminarQue voz! Não tive o privilégio da a ouvir ao vivo. Infelizmente quando ela se retirou ainda eu não tinha nascido para a ópera. :o( Mas estou a ter hoje o privilégio de um dia de chuva caseiro ao som da doce Esclarmonde. :o)
ResponderEliminarDescanse em paz!
Não sendo grande admiradora de Joan Sutherland, este post faz-me quase ter vontade de a ouvir um pouco mais.
ResponderEliminarA morte de uma grande diva!!!
ResponderEliminarExcepcional voz: um soprano coloratura -- o melhor que há registos -- com dimensão wagneriano. Compartilhávamos uma preferência, a de considerarmos Kirsten Flagstad a maior voz do século XX. Foi uma Norma autoritária, mas vocalmente desadequada. Colocá-la acima da Callas, como faz parcialíssimamente a Teresa, é não compreender a Norma como ópera. Peço desculpa, mas é a pura das verdades. A própria Montessat Caballé foi superior à Sutherland na Norma.
ResponderEliminarRaul,
ResponderEliminarComo bem sabe, estou de acordo consigo, e a Teresa, certamente, não nos levará a mal.
E agora diga lá se seria possível, depois de assistir a uma récita com Aqueles Dois e de ver os catalães embevecidos a cantar Bell'alma innamorata na Rambla - e eu com eles -, não ficar apaixonado por aquele teatro e por aquela cidade.
Paulo,
ResponderEliminarSó agora vim aqui. Muita ocupação. Vai ficar escandalizado: conheço muito mal Barcelona. Só lá estive uma manhã. Isto do Oriente tem os seus custos.
Acredito, no entanto, que toda essa atmosfera de ópera sentida deve arrebatar.
Não fico, Raul.
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