11.10.10

La Stupenda



Era o ano de 1988 e Novembro corria frio e molhado em Barcelona. Comprámos o Guía del Ocio para nos inteirarmos do que se passava na cidade e ficámos a saber que Joan Sutherland e Alfredo Kraus cantavam "Lucia di Lammermoor" nessa noite. Ora... e bilhetes? pensámos, desanimados. Dirigimo-nos à Praça da Catalunha e começámos a descer as Ramblas até nos depararmos com o Gran Teatre del Liceu.
Por desfastio, embora descrentes, perguntámos na bilheteira se ainda haveria dois bilhetinhos para mais logo. Para nosso grande espanto e felicidade, havia, sim, poucos e com visibilidade reduzida.
No velhinho Liceu, antes do incêndio, havia duas entradas: a boa, na Rambla dels Caputxins, e a dos pobrezinhos, no Carrer de Sant Pau. Subimos as escadas até ao topo e tomámos os nossos lugares. Quase podíamos tocar no tecto. Do cenário víamos pouco mas isso não importava. Se nos empoleirássemos ligeiramente, por vezes até conseguíamos ver a Lucia e o Edgardo. E quando eles cantavam, apesar de já terem ambos passado o apogeu havia muito, o teatro inteiro vibrava. A Cena da Loucura de Lucia deixou o público em delírio. No final de uma récita inesquecível, o Liceu inteiro saiu à Rambla em euforia. Dois anos mais tarde, Joan Sutherland retirou-se dos palcos. Ontem, retirou-se da vida.

Como Lucia, em Covent Garden (1959)
(Imagens daqui)

A Cena da Loucura, como Joan Sutherland a cantou em Barcelona em 1988:





A Teresa é uma das maiores fãs de Dame Joan Sutherland que conheço. Leia aqui as suas entradas sobre La Stupenda, nomeadamente a que fala da sua experiência em Lisboa, quando cá cantou "La Traviata", em Abril de 74.

ADENDA: A Antena 2 tem disponível online o Império dos Sentidos de hoje. Paulo Alves Guerra e João Pereira Bastos falam de Joan Sutherland e deixam-nos ouvir excertos das suas gravações e de uma interessante entrevista concedida por Dame Joan ao próprio João Pereira Bastos, com perguntas fornecidas por Jorge Rodrigues para o programa "Vozes de São Carlos", de que era autor.

11 comentários:

  1. Nunca tive a sorte de ouvir ao vivo "La Stupenda". Mas foi com ela que aprendi a gostar de ópera, sobretudo do belcanto. Hoje, ninguém canta como a Sutherland, uma das maiores de sempre que nunca será esquecida. Tenho várias gravações dela, mas há uma velhinha, em CD de 1959, que tem a famosa cena da loucura da Lucia que nunca ninguém igualou. Oiço-a, pelo menos, uma vez em cada mês. E continuarei a fazê-lo porque, para um amante do belcanto, é insuperável!

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  2. Anónimo11.10.10

    E às primeiras horas do domingo, 10/10/10 " La Stupenda " é chamada para cantar no Valhalla os maviosos sons do pássaro da floresta, tão bem registrado no espetacular projeto da DECCA para o " Anel " por John Culsak sob a batuta de Georg Solti.
    Cai o pano. Tutto è silenzio...
    Requiescat in Pace, " Dame " Joan Sutherland !

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  3. Esta perda deixa-me profundamente triste. Tão triste como nunca pensei que alguma vez pudesse ficar por alguem que não conheço. Mas afinal, que fazia parte do meu dia-a-dia.

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  4. Anónimo12.10.10

    Que voz! Não tive o privilégio da a ouvir ao vivo. Infelizmente quando ela se retirou ainda eu não tinha nascido para a ópera. :o( Mas estou a ter hoje o privilégio de um dia de chuva caseiro ao som da doce Esclarmonde. :o)
    Descanse em paz!

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  5. Não sendo grande admiradora de Joan Sutherland, este post faz-me quase ter vontade de a ouvir um pouco mais.

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  6. A morte de uma grande diva!!!

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  7. Excepcional voz: um soprano coloratura -- o melhor que há registos -- com dimensão wagneriano. Compartilhávamos uma preferência, a de considerarmos Kirsten Flagstad a maior voz do século XX. Foi uma Norma autoritária, mas vocalmente desadequada. Colocá-la acima da Callas, como faz parcialíssimamente a Teresa, é não compreender a Norma como ópera. Peço desculpa, mas é a pura das verdades. A própria Montessat Caballé foi superior à Sutherland na Norma.

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  8. Raul,
    Como bem sabe, estou de acordo consigo, e a Teresa, certamente, não nos levará a mal.
    E agora diga lá se seria possível, depois de assistir a uma récita com Aqueles Dois e de ver os catalães embevecidos a cantar Bell'alma innamorata na Rambla - e eu com eles -, não ficar apaixonado por aquele teatro e por aquela cidade.

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  9. Paulo,
    Só agora vim aqui. Muita ocupação. Vai ficar escandalizado: conheço muito mal Barcelona. Só lá estive uma manhã. Isto do Oriente tem os seus custos.
    Acredito, no entanto, que toda essa atmosfera de ópera sentida deve arrebatar.

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