O comentário que o leitor Bosc d'Anjou aqui deixou, e que muito agradeço, sugeriu-me algumas considerações em relação ao tema "encenadores".
Já li muitas críticas (e comentários em blogues) à nova produção d'A Valquíria. Algumas são positivas, outras antes pelo contrário. Como não a vi (e não poderei assistir à transmissão na Gulbenkian), pouco posso falar. Ouvi a récita de estreia em directo e fiquei muito bem impressionado com Jonas Kaufmann; Eva-Maria Westbroek estava doente mas creio que já estará bem e que será uma óptima Sieglinde, a avaliar pelo que conheço dela; Bryn Terfel deixou-me com emoções diversas; de Deborah Voigt não gostei; Stephanie Blythe e Hans-Peter König cumpriram muito bem. Note-se que me refiro a uma transmissão via rádio.
O problema das encenações modernas em geral, e desta em particular, é que muitas vezes não respeitam o libreto, a música e os cantores. O papel dos encenadores é fundamental, a menos que se assista a uma ópera em versão de concerto (que muitas vezes prefiro), para que dramaturgicamente tudo faça sentido. O cenário pode até estar vazio, desde que o encenador saiba como há-de trabalhar com os cantores de modo a que eles representem cenicamente os papéis que estão a cantar. Obrigá-los a desempenhar actividades circenses, como Padrissa fez em Valência, colocando o pobre Siegfried a cantar de pernas para o ar, parece-me pouco apropriado. Não acredito que um cantor se sinta confortável nessa posição. É aí que entra o bom senso, e por isso continuo a preferir sempre Patrice Chéreau, que valoriza acima de tudo o libreto e a música (ver o Anel de Bayreuth e o Tristão do Scala) e não os efeitos visuais de alta tecnologia, que são isso mesmo: efeitos visuais.
Assisti à transmissão d'O Ouro do Reno, que inaugurou a temporada Met Opera Live in HD na Gulbenkian, e apesar do impacto causado por algumas habilidades da máquina (as Filhas do Reno, a Descida a Nibelheim), decepcionou-me a falta de imaginação no aspecto dramático. Na maior parte dos casos, os cantores foram abandonados a cantar à frente do engenho, que pouco mais fazia que decorar o palco, e pareciam não saber muito bem o que fazer uns com os outros. Creio que se valorizou a cenografia em detrimento da encenação.
Talvez algumas coisas tenham mudado n'A Valquíria e na sala do Met o efeito é certamente diferente do que se vê no grande ecrã. Contudo, a minha dúvida sobre se terá valido a pena o investimento na máquina mantém-se. Consta que a máquina é ruidosa, que nem sempre funciona, numa das récitas uma valquíria caiu do cavalo, noutra foi o trono de Fricka que deu problemas e, na cena final, quando Wotan adormece Brünnhilde com um beijo e a rodeia de fogo mágico, uma das cenas mais belas da tetralogia, é uma figurante que surge disposta com a cabeça para baixo, deitada no topo da montanha (a máquina) envolta em chamas. O efeito visual não quebrará o encanto, sendo óbvio para o público que não foi de facto Bryn Terfel que deitou Deborah Voigt naquela posição? É uma pergunta que deixo a quem já viu A Valquíria.
Cavalgada das Valquírias (mais imagens) |
Caro Paulo,
ResponderEliminarSem prejuizo do que irei escrever no nosso blogue, posso dar-lhe a minha opinião, pois assisti ao vivo a duas récitas da Valquíria e espero (com grande curiosidade) ver também a transmissão na Gulbenkian.
A máquina faz, por vezes, barulho e os cantores têm problemas com ela (vi a récita em que o trono da Frika "empanou" e a récita em que uma valquíria caiu di cavalo), aspectos muito negativos.
Mas ao vivo, olhando para toda a grnadiosidade do palco, o efeito é marcante e tem partes com impacto visual muito marcante. É uma encenação totalmente diferente do habitual, moderna, mas com os cantores trajados de forma muito convencional.
Estou muito curioso em ver como será em HD.
Caro FanaticoUm,
ResponderEliminarObrigado pela sua opinião. Vejo que teve a sorte de assistir, em duas récitas, a dois highlights da máquina.
E agora a sério: tenho lido que Lepage de certo modo despreza o significado do libreto, que não apresenta uma leitura das personagens e das relações entre elas, que, no fundo, se está nas tintas para os cantores, sacrificando tudo em favor dos efeitos visuais da máquina (como já sabe, sendo eu um defensor incondicional de Chéreau, os efeitos visuais da máquina são o que menos me fascina). Gostaria de conhecer a sua opinião acerca disso, mas saberei aguardar até que a publique no seu blogue.
Caro Paulo,
ResponderEliminarIndependentemente do que venha a ser escrito no nosso blogue (e será o wagner_fanatic a fazer a próxima entrada sobre esta Valquíria) tenho, como sabe, um enorme respeito e admiração por este seu espaço, pelo que terei todo o prazer em, por antecipação, ir deixando aqui algumas das minhas impressões.
Como sabe, eu sou dos que também gosta do que se vê, para além do essencial, que é o que se canta. Apesar de ter gostado de muito do que vi, reconheço que Lepage "sacrificou" os cantores à encenação (mas não de forma tão extrema como se escreve por aí).
Generalizando e voltando à questão central do post: para mim, é tão importante o que se vê que muitas vezes preferia não ver o que lá está.
ResponderEliminarO meu problema com uma grande parte dos encenadores é eu ser pouco sensível ao espectacular, vistoso e diferente e provocador (Lepage não entra na categoria dos provocadores) a qualquer preço, incluindo a própria música (Graham Vick), o que muitas vezes me transtorna e impede de fruir a tal obra de arte total de que falava Wagner.
Ah mas eu mal posso esperar pela transmissão na Gulbenkian, que todas as conversas nos diversos blogues me aguçaram a curiosidade.
ResponderEliminarTocou-me a frase do Paulo: para mim, é tão importante o que se vê que muitas vezes preferia não ver o que lá está.
Gi,
ResponderEliminarDepois contarás como foi.
estou a ouvir o broadcast na antena 1. quem esteve a fazer o backstage foi o Plácido.
ResponderEliminarE o que achou, Plácido? Já só consegui ouvir uma parte do III acto e foi porque a máquina voltou a avariar e causou um atraso de cerca de 45 minutos.
ResponderEliminarO Kaufmann e a Westbroek estiveram óptimos. (Claro que o Kaufmann, sempre com aquelas fífias de quando se está a tentar a armar com as notas prolongadas...) Acho que à Voigt, faltou-lhe um bocado de humildade no canto. Bryn Terfel a 100%. Eu estive a seguir com um rádio cuja captação mais parecia que eu estava a ouvir uma gravação com o Furtwangler, e, por vezes, Terfel soava tal e qual como os grandes cantores dessa era. Grande voz, cheia de expressividade, óptima dicção (muitas aulas de Swarzkopf, lol).
ResponderEliminarTambém só ouvi a transmissão por acaso. Liguei o rádio, estava a ouvir a música de quando Sigfried vai à procura de novas aventuras - afinal era uma espécie de fantasia acerca do Crepúsculo, e no fim disseram que o espectáculo estava atrasado quase três quartos de hora!!! Ainda bem para mim x)