20.3.11

Lucia, perdona - II

Natalie Dessay e Joseph Calleja como Lucia e Edgardo (©)
Diz a Io, e muito bem, que ouvimos ontem um tenor à antiga. Joseph Calleja, que nasceu em Malta em 1978, é um verdadeiro tenor lírico, de um timbre que nos transporta à primeira metade do século XX. O maestro Riccardo Chailly concorda connosco:


Logo na sua primeira entrada, Lucia, perdona, Calleja traz consigo reminiscências de Gigli e Björling.
Veja-se agora, neste pequeno excerto do dueto de Lucia e Edgardo no final do I acto, Verrano a te sull'aure, como a voz dele casa bem com a de Natalie:


"Lucia di Lammermoor" é uma daquelas óperas de que é impossível não gostar. A invenção melódica de Donizetti esteve inspirada do princípio ao fim da composição e deixou-nos momentos belíssimos como a ária Regnava nel silenzio, de Lucia, o sexteto Chi mi frena in tal momento?,  a cena da loucura ou a morte de Edgardo, que podemos ouvir já a seguir (com o alto patrocínio do Joaquim) tal como Calleja a cantou ontem no Met. Ide ao In Fernem Land ouvir mais e, em querendo, podeis descarregar a Lucia inteira.



Edgardo di Ravenswood está-lhe na massa do sangue. Veja-se como Calleja, então com 21 anos, cantou Tombe degli avi miei no Operalia de 1999:

Há dois tipos de Lucias. Um segue o modelo da grande Dame Joan, que nos deixava boquiabertos com a técnica e a vocalidade. Gruberová está nessa linha. O outro modelo foi definido anteriormente por Callas e é desse que Dessay mais se aproxima. O incomparável não pode ser comparado, mas Dessay disse algures que enquanto puder estar no palco dará sempre tudo o que tem para dar e, de facto, não se lhe pode apontar que alguma vez tenha sido uma mulher poupada. Dessay galvaniza, Dessay é completamente electrizante, mesmo quando os agudos já não lhe saem com a facilidade de outros tempos e a voz parece querer quebrar. E no entanto, cada nota é dada com uma intenção precisa, nem que a voz acabe por ser prejudicada em favor da expressividade. No final, mortos Lucia e Edgardo, algumas lágrimas teimavam em sair-nos dos olhos, que os nossos corações não são de pau, e ouviam-se aplausos na sala. Poucos, porém, não fosse o vizinho do lado reparar e passar a olhar-nos de lado.
Dito isto, a récita a que o Grande Auditório da Gulbenkian assistiu ontem em directo do Met foi memorável. Que o diga quem viu esta Lucia ao vivo.
ADENDA: A Gi também disse de sua justiça.

7 comentários:

  1. Caro Paulo,
    Obrigado pela referência ao nosso blog mas, sobretudo, pela qualidade e beleza deste seu texto, com o qual concordo em absoluto.
    De facto, tivemos o privilégio de assistir a uma fabulosa récita da Lucia.
    Mais uma vez, muito obrigado

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  2. Memorável, fabulosa, nem queria acreditar no que ouvia! Para além de Dessay e Calleja, a orquestra também esteve bem dirigida, um gosto.

    Espero que haja gravação...

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  3. Paulo, depois deste teu magnífico texto acho que não consigo postar mais nada sobre o assunto.

    À minha volta os aplausos foram muitos e sem reservas.

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  4. Gracias Paulo.
    Para mi la Dessay hace la Lucia más creible de la actualidad.
    Otras sopranos tienen mejor voz, pero hoy no encuentro ninguna que pueda cantarla con esta intensidad y esta veracidad musical y dramática.

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  5. FanaticoUm,
    Ora essa! Eu é que agradeço.

    Mário,
    Ouviu pela Antena 2?
    Se for ao In Fernem Land do Joaquim pode descarregar a gravação, acto por acto.

    Gi,
    Então? [eu corando]
    Claro que consegues.

    Onde eu estava também se aplaudiu mas, olhando para o público em geral, estava tudo muito quietinho, não aplaudindo por vergonha.

    Joaquim,
    Também acho. A Netrebko pode ter uma voz mais cheia, ser mais sedutora para uma grande parte do público, mas deixa-me completamente indiferente. A Dessay é uma dramática nata.
    Gràcies pels enllaços.

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  6. Que belíssimo post, meu querido! Mas que belíssimo post! Estou azamboada de todo e desta feita não é com o Calleja, é com este maravilhoso post. Sabes que mais, até me sinto envergonhada da miséria que ontem, em desassossego, postei e que tu generosamente linkas. E atenção, não que estejamos habituados a maus posts teus! Nada disso! Pura e simplesmente, tu nunca escreves um mau post. Só que desta feita, superaste-te. Genial, hombre! Tão genial quanto o Edgardo de serviço! Bravo!

    PS: tu não me digas que eu e o belo Perseu te olhámos de lado ... ;-) Beijos, cariño!

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  7. Ora, Io! Obrigado. E o que escreveste ontem foi completamente sentido, ainda em perfeito azamboamento, do qual, diga-se, ainda não me refiz.

    E não, tu e o belo Perseu não me olhastes de lado, que bem te vi a bater palmas e de lagrimita à espreita. Referia-me ao público em geral. Caramba! Não estávamos a assistir a uma récita ao vivo? Penso que a Dessay e o Calleja gostariam de saber que os espectadores do lado de cá do Atlântico também os aplaudiram.

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