24.11.10

Don Carlo


Infante Don Carlos
(1564) por Alonso Sánchez Coello
Kunsthistorisches Museum (Viena)

O tema Don Carlos já aqui respondeu várias vezes à chamada e hoje resolveu reaparecer.
Verdi compôs a ópera "Don Carlos" originalmente com cinco actos e libreto em Francês, a partir do poema de Schiller, mas ainda durante os ensaios para a estreia em Paris (1867) viu-se obrigado a fazer cortes na partitura. Actualmente, com dois intervalos, uma récita ainda é coisa para durar umas magníficas quatro horas e meia bem contadas.


Monumento a Schiller em Viena

Um dos trechos sacrificados foi Qui me rendra ce mort?, que Filipe II cantaria depois da morte de Rodrigo. Essa melodia foi mais tarde reciclada pelo compositor, que a adaptou ao Lacrimosa do seu Requiem.


Ao longo de quase duas décadas sucederam-se alterações à partitura de "Don Carlos". Para Itália Verdi apresentou uma versão em quatro actos, já em Italiano, nascendo assim "Don Carlo", e ainda uma outra com cinco actos. Por esta e por outras razões - não existe uma versão definitiva -, há quem considere "Don Carlo" uma ópera com muitas imperfeições.
Em 1996 Paris e Londres puderam assistir ao "Don Carlos" mais próximo daquilo que Verdi inicialmente idealizou: um "Don Carlos" quase wagneriano. Nessa produção de Luc Bondy, apresentada no Théâtre du Châtelet e depois em Covent Garden, foram utilizados vários fragmentos entretanto encontrados em arquivos. Um exemplo é Qui me rendra ce mort?, que José van Dam interpretou como se ouve e vê aí em cima.
Roberto Alagna, que se estreou no papel de Don Carlos nessa produção memorável, repetindo-o em Londres, não voltou a cantá-lo até à passada segunda-feira, em Nova Iorque, desta vez em Italiano (crítica em The New York Times). No próximo dia 11 de Dezembro ele estará simultaneamente no Met e na Avenida de Berna e os bilhetes estão quase esgotados.
Simon Keenlyside interpretou em Londres (2009) a personagem de Rodrigo, Marquês de Posa, na nova produção de Nicholas Hytner que agora está em Nova Iorque. Também ele virá à Gulbenkian.
 

Pode ler o argumento da ópera, resumido por Margarida Lisboa, no sítio da Antena 2.
A última vez que se viu "Don Carlo" em Lisboa parece ter sido em 1977. Do elenco faziam parte Mara Zampieri (Tu che le vanità, no Coliseu dos Recreios, com o característico acompanhamento), Cesare Siepi, Viorica Cortez e Elsa Saque. Já era tempo de se pensar nele a sério outra vez.

ADENDA: Um cheirinho do dueto (FB) de Don Carlo e Rodrigo (Alagna e Keenyside) no Met e um outro do dueto de Carlo com Elisabetta:

13 comentários:

  1. Oh meu amarelinho lindo (então a greve, pá?), tu queres te crer que vou ter de vender os meus bilhetes para o Don Carlo do Met (isto assim fica chique, hein?). Então não é que me marcaram a festa de Natal da empresa para esse serão ... Ao menos se o Met se tivesse lembrado de começar a ópera às 15h. Ai estou infelicíssima.

    Tens toda a razão: este país não tem andado nada bem governado. Esquecer-se do Don Carlo anos a fios.

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  2. Os bilhetes estão quase esgotados: ah pois estão, só resta um. Ainda bem que comprei, tarde mas a tempo.

    Eu vi o Don Carlo em Lisboa há muitos anos, deduzo que tenha sido em 1977, mas ainda não tinha o hábito de guardar o programa para memória futura.

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  3. Caro Paulo,
    Muito obrigado por mais um texto tão bem escrito e informativo. Recomendo vivamente este espectáculo que tive a sorte de ver em Londres no ano passado (é a mesma produção). A ópera é magnífica, a encenação deslumbrante e conta com interpretações memoráveis, como serão os casos de Keenlyside, Furlanetto e Halfvarson. Na récita que vi, Carlo foi cantado pelo Kaufmann. Infelizmente, no próximo dia 11 não poderei ir à Gulbenkian. E que bom foi recordar Mara Zampieri, na minha opinião incomparavelmente melhor que a Poplavskaya, que é só força, mas há quem goste muito dela. Cada um julgará por si no dia 11.

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  4. Io,
    E não podes meter baixa nem nada? Um compromisso? Dentista? Psicanalista?

    Gi,
    Em boa hora.
    Pelo que consegui apurar não houve mais nenhum "Don Carlo" em Lisboa depois desse em que Mara Zampieri se estreou em São Carlos.

    FanaticoUm,
    Conheço alguns pedaços da gravação de uma dessa récitas em Londres e também não fiquei muito entusiasmado com a Poplavskaya. Já o Kaufmann é outra coisa. Gostaria de poder incluí-lo na minha colecção de Dons Carlos ao vivo. Não é extensa, mas inclui o Alagna em Londres. Receei pelo seu regresso ao papel catorze anos depois mas consta que ele está muito bem. Talvez agora atine com os papéis que lhe assentam melhor.

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  5. Parabéns pelo seu post de "ópera" até à medula. Quanto ao Don Carlos e ao Don Carlo sem a menor dúvida que prefiro a versão italiana, embora a versão francesa seja do melhor que há escrito em francês. Porquê? Porque, se Verdi compôs o original em francês foi porque lho encomendaram, mas sempre pensou em italiano e logo que pôde escreveu a versão italiana. A versão francesa foi de imediato esquecida e Verdi trabalhou apenas a versão italiana. A versão em cinco actos é, sem dúvida, a mais perfeita e fui "criado" com ela na gravação Decca dirigida pelo Solti e com um elenco sublime (Bergonzi, Tebaldi, Guiaurov, Fischer-Diskau, Bumbry, Talvella)Possuo outra versões, entre elas uma das duas gravadas por Boris Cristoff, como não podia deixar de ser.
    A versão francesa restaurada dirigida pelo maestro Pappano e magnificamente interpretada pelo Alagna, Matilla, Van Dam, Hampson e Meier foi um presente dos deuses, mas quando a conheci pensei logo que o que se deveria fazer era transpô-la para italiano, língua em que Verdi pensava e sobre o qual compunha. Disse-o isso no blogue Óperaedemaisinteresses. Parece que alguém mais pensou assim, pois passado tempos o Scala apresentou toda a versão francesa cantada em italiano. Espero que assim seja para sempre.

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  6. Obrigado, Raul.
    O Filipe II de Boris Christoff é soberbo.
    A gravação de Solti que menciona também é indispensável e da de Karajan, com Carreras, Freni, Baltsa, Cappuccilli e Ghiaurov, também gosto muito, mas falta-lhe ali um acto.
    Quando comecei a ouvir o "Don Carlos" estranhei; nessa altura apenas conhecia versões em Italiano. Aos poucos tudo aquilo se tornou de tal modo sublime que hoje talvez prefira a versão francesa à italiana. Há nela uma poesia que se perdeu na tradução. Além disso, depois da versão restaurada em 1996 todas as outras me sabem sempre a incompletas.

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  7. Paulo, aqui discordamos e ainda bem, porque é saudável. Não é só língua que não associo a Verdi, é também por exemplo a personagem autoritária de Filipe II, com aquele registo grave que se perde, que é de longe a personagem central da ópera sem ser a principal. Isso já não acontece na versão francesa. Ouvir o Don Fatale em francês, para mim, não.
    Também tenho a versão Karajan que mencionou, onde a voz do Guiaurov já acusa um mínimo desgaste em relação à da versão Solti.
    Eu vi no Coliseu esta versão com a Zampieri e que foi a sua estreia em Portugal. Foi fantática. Em cena no Filipe II estava um dos grandes intérpretes do papel na segunda metade do século XX: Cesare Siepi. A voz já acusava um desgaste notável. Também vi em Amesterdão a versão que agora circula em dvd com o Villazon. Foi quando o ouvi e conheci pela primeira vez e lembro-me de ter comentado após o espectáculo que tinha ouvido um tenor maravilhoso, cuja voz me lembrava o mais sublime dos Infantes de Espanha: Carlo Bergonzi.

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  8. Caro Raul,
    A discórdia é saudabilíssima. Além disso concordo consigo em alguns aspectos. Waltraud Meier não terá sido a melhor escolha para o papel de Eboli. Em Londres foi uma outra cantora (Martine Dupuy) que o interpretou e esteve muito bem. Ainda assim, penso que também a ária do véu fica melhor em Italiano.
    O meu primeiro "Don Carlo" foi em Hamburgo e dele recordo a Elisabete de Tomowa-Sintow, o Filipe II de Roberto Scandiuzzi, a Eboli de Bruna Baglioni, mas não recordo o Don Carlo, que não conhecia, nem o Rodrigo, um barítono russo que estava com graves problemas vocais e que não chegou a morrer. A cena foi cortada e passámos imediatamente para o último (IV) acto. Infelizmente não tenho o programa de sala.
    O terceiro foi em Viena, há uns dois anos, também em quatro actos, com Johan Botha. Dispenso-me de nomear os restantes cantores.

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  9. Eu vi esta ópera, nos anos 60, numa récita popular no Coliseu, após a sua apresentação no S.Carlos, como era hábito, na altura.
    O curioso é que levei nessa noite ao Coliseu os meus Pais, mas só lhes disse o que íamos ver à porta do Coliseu, pois senão o meu Pai não teria querido ir, pois dizia ele, detestava ópera; foi muito contrariado e com cara de poucos amigos.
    Qual o meu espanto, quando no final vi o meu Pai entusiasmado a ser das pessoas que mais aplaudia.
    Por essa razão, mais que qualquer outra, nunca esquecerei essa récita.

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  10. Boas!

    Bem, relativamente à Zampieri, acho que se gosta ou odeia. Eu pessoalmente não consigo gostar nada da sua forma de cantar. Ainda assim sei que foi presença assídua cá pelos palcos.

    Relativamente ao Don Carlo, a primeira gravação a que tive acesso foi uma em italiano com a Caballe. No entanto, a que me conquistou foi a versão francesa em dvd com o Alagna. Tendo a concordar com o Paulo, Ha uma poesia na versão francesa que não se sente na italiana. Mas eu também sou suspeito, afinal de contas adoro opera francesa :)
    Por causa da próxima récita, tenho andado numa de experimentar diversos Don Carlos, sendo que o que tenho ouvido mais tem sido um com a Ricciarelli e o Domingo. Gosto muito dela. Infelizmente o dueto entre Raimondi e Nucci é pavoroso.

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  11. Pinguim,
    Aí está uma óptima prova de que as pessoas tendem a não gostar e, por vezes, a ter medo do que desconhecem.

    Blogger,
    A voz da Zampieri não é facilmente gostável. Como talvez todas as vozes com personalidade própria, a de Mara Zampieri sempre despertou grandes paixões e outros tantos ódios de estimação. Infelizmente para mim, só tive algumas oportunidades de a ver já numa fase mais tardia e confesso que não fiquei fã da sua Manon Lescaut e das suas Quatro Últimas Canções. Mas reconheci nela um poder interpretativo e uma pujança vocal fascinantes. Quando ela estava no palco passava-se de facto qualquer coisa que as gravações não conseguiam captar. Ouvindo quem a conheceu no seu auge e a viu nas célebres récitas no São Carlos e no Coliseu, e lendo o que diz Frederico Lourenço sobre ela, podemos perceber melhor a dimensão do fenómeno Zampieri. Quando tiveres tempo, e se quiseres, ouve isto e segue as ligações.

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  12. Quando digo vozes com personalidade própria quero dizer vozes muito marcadamente distintas. Todas as vozes terão a sua própria personalidade mas muitas delas são vozes indistintas.

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  13. Os Alemães são extraordinários. Ontem enviei um email para a Ópera de Hamburgo pedindo informações sobre o "Don Carlo" de 1992/3 e hoje recebi a resposta que vem aí em baixo. Já tentei obter informações de duas salas de espectáculos lisboetas e continuo à espera sentado.

    Sehr geehrter Herr Almeida,

    Ihr Besuch in der Hamburgischen Staatsoper muss am 5. oder 9. Dezember 1992 gewesen sein. An beiden Tagen gab es "Don Carlo"-Vorstellungen:

    Filippo II. - Roberto Scandiuzzi
    Don Carlo - Mario Malagnini
    Rodrigo - Igor Morosow (5.12.) / Alexandru Agache (9.12.)
    Großinquisitor - Erich Knodt
    Ein Mönch - Johann Tilli (5.12.) / Carl Schultz (9.12.)
    Elisabetta - Anna Tomowa-Sintow
    Eboli - Bruna Baglioni
    Tebaldo - Renate Spingler
    Gräfin Aremberg - Barbara Spolert
    Graf von Lerma - Peter Galliard
    Stimme vom Himmel - Ellen Schuring
    Ein Herold - Peter Galliard
    Ein Hofnarr - Horst Schweimler

    Die Musikalische Leitung hatte Wolfgang Bozic.
    Inszenierung und Bühnenbild nach Pet Halmen
    Kostüme Pet Halmen
    Chor Jürgen Schulz
    Spielleitung Thomas Mittmann

    Ich hoffe, das hilft Ihnen. Bei weiteren Fragen stehe ich Ihnen gerne zur Verfügung.

    Mit herzlichen Grüßen aus Hamburg,
    (...)
    Dramaturgieassistenz / Archiv

    Hamburgische Staatsoper
    Große Theaterstr. 25
    20354 Hamburg
    Tel 040 3568 307
    Fax 040 3568 399


    Pelo que concluo ter assistido à récita de 5 de Dezembro, com o Rodrigo de Igor Morosow. Não me lembrava de todo que o Don Carlo tinha sido cantado pelo Malagnini, cantor que nunca me impressionou. Várias vezes o ouvi em São Carlos já durante as temporadas de Pinamonti e nunca o associei ao Don Carlos que tinha visto em Hamburgo.

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