É um documentário excelente e imperdível para quem se interessa por estas coisas da música, dos cantores e das suas relações com o poder.
Max Lorenz foi um ídolo de Hitler e de Bayreuth até quase cair em desgraça por ter ousado casar com uma mulher judia e por ter sido apanhado em flagrante com outro homem. Foi a influência de Winifred (viúva de Siegfried Wagner), que na época dirigia o Festival de Bayreuth, que levou o Führer a permitir que Lorenz continuasse a cantar no Festspielhaus. Winifred, nora de Richard Wagner, terá dito a Hitler que sem Max Lorenz o Festival não se fazia.
A sua insistência em aparecer em público acompanhado pela mulher era vista pelos nazis como uma provocação e foi graças à intervenção de Göring que ela e a mãe não foram levadas pela SS. Max Lorenz, gozando de um estatuto privilegiado, protegido de Göring, terá também impedido que vários amigos judeus fossem perseguidos.
Aqui há dias, o Joaquim dedicou um post aos leitores portugueses do In Fernem Land e ofereceu-nos o Concerto nº 20 de Mozart, tal como Maria João Pires o tocou no passado dia 20 em Munique, com a Orquestra Sinfónica da Rádio da Baviera e Bernard Haitink.
Como hoje é dia de Mozart, que nasceu há exactamente duzentos e cinquenta e seis anos em Salisburgo, trago o presente do Joaquim para o valkirio, supondo que ele não se importará. Aliás, o que fica aqui é apenas o teaser. A ligação para o concerto completo está no referido post e recomenda-se.
*O título foi igualmente roubado ao Joaquim, já que não consegui encontrar um melhor.
Ou se tomam as decisões no momento certo ou o comboio passa, diz Elisabete Matos em entrevista ao DN. E o comboio levou-a agora novamente a Nova Iorque, onde cantará em "Rienzi", com a Opera Orchestra of New York. Será já no próximo Domingo, 29 de Janeiro.
"Rienzi" é a terceira ópera completa de Richard Wagner, imediatamente anterior a "Der Fliegende Holländer", e, ao contrário das suas obras de maturidade, não é executada frequentemente. Desta vez será apresentada em versão de concerto no Avery Fisher Hall, com a direcção musical de Eve Queler, Ian Storey no papel titular, Elisabete Matos como Irene e Géraldine Chauvet como Adriano.
Joseph Tichatschek (Tannhäuser) e Wilhelmine Schröder-Devrient (Venus)
(na estreia em 1845) (Wikipedia)
Ontem pudemos ouvir um grande "Tannhäuser". Houve alguns desacertos na orquestra, como se mais um tempinho de ensaio tivesse dado jeito, mas o coro esteve em grande forma e a Gulbenkian trouxe a Lisboa dois cantores de primeira água:
Johan Botha já era conhecido do público do Grande Auditório e dele se diz que é o melhor Tannhäuser da actualidade. Cantou sem qualquer espécie de dificuldade o papel do trovador caído em desgraça. Esteve sublime no III acto, quando narrou, transbordando emoção, os acontecimentos da peregrinação a Roma. (Aqui canta In fernem Land, de "Lohengrin")
Falk Struckmann (Landgraf Hermann) distinguiu-se em personagens como Amfortas, Scarpia e Wotan. Hermann é uma figura importante em "Tannhäuser" e requer uma nobreza vocal como a de Struckmann. Contudo, trata-se de um papel pequeno para quem gostaria de o ouvir mais. Vejamo-lo na cena final de "Das Rheingold", em Barcelona, na encenação de Harry Kupfer e com a direcção musical do mesmo Bertrand de Billy que ontem segurava a batuta.
Ao pé destas duas grandes vozes, a de Manuela Uhl (Venus) soou-me pouco interessante e sedutora e a de Melanie Diener (Elisabeth) pareceu-me estar abaixo do que se espera para aquele papel, principalmente quando o Heldentenor é Botha.
Outro contraste infeliz foi a presença de Job Tomé como Wolfram. O seu grande momento, O du, mein holder Abendstern, perdeu-se na sala.
Nada a dizer em relação aos pequenos papéis, e uma nota muito positiva para Ana Maria Pinto (Jovem Pastor).
"Così fan tutte" estreia hoje no Teatro de São Carlos. A temporada, como se sabe, empobreceu devido aos célebres cortes orçamentais, com cancelamentos e adiamentos, estando anunciada, porém, uma nova produção de "La Rondine" com "custos moderados".
Dá-se o caso de as coisas também não estarem a correr lá muito bem aos teatros por essa Europa fora. Em Copenhaga, os cortes no Teatro Real vão obrigar à redução de pessoal, segundo o Intermezzo. Em Itália, se excluirmos Milão, o panorama não é bonito. O Teatro Real de Madrid anunciou que provavelmente apresentará quatro óperas em versão de concerto na próxima temporada e em pior situação parece estar o Liceu de Barcelona, que estuda a hipótese de cancelar duas produções da temporada em curso.
Antes da invenção dos telemóveis, o medo de actores, músicos e cantores era de ter uma branca ou falhar uma nota. Agora, antes de pisarem o palco, pedem aos santinhos que lembrem os espectadores de desligar convenientemente os seus apêndices de comunicação. Um telemóvel pode perturbador um artista ao ponto de ter de interromper a actuação. Foi o que fez o maestro Alan Gilbert há dias, durante um concerto com a Orquestra Filarmónica de Nova Iorque no Avery Fisher Hall.
Soavam os compassos finais da Nona de Mahler quando se ouviu, sem cessar, vindo de uma das filas da frente, o toque de um iPhone. Parou tudo, o maestro pediu ao dono do telemóvel que o desligasse e, após longos momentos, retomou o concerto. O caso deu que falar e o dono do dito telemóvel já foi entrevistado pelo New York Times e contou como pediu desculpa ao maestro pelo sucedido.
Aqui fica um apelo ao leitor: quando estiver num teatro ou numa sala de concertos (ou no cinema), se não sabe como desligar os alarmes do seu telemóvel, peça ajuda ao vizinho do lado com a devida antecedência. Ou faça como certos que eu conheço: retire a bateria do telefone, não vá o diabo tecê-las e fazê-lo passar por uma vergonha destas:
Sabe-se que os estudos estão a correr bem a Carlos Cardoso e que ele vai apresentar-se nos próximos concertos dos solistas da Academia do Teatro alla Scala, amanhã e Sábado (I Concerti dell'Accademia). Carlos cantará a ária Spirto gentil, de "La Favorita" de Donizetti.
A imagem chegou aqui através do tenor Paulo Ferreira, de quem Carlos Cardoso já foi aluno.
Está a decorrer na Gulbenkian o ciclo Wagner +, que teve início há dias com obras de Liszt interpretadas por Artur Pizarro e terminará em Maio com Philippe Herreweghe. O destaque vai agora para a ópera "Tannhäuser" em versão de concerto, a ser apresentada nos próximos dias 12 e 15. Bertrand de Billy dirigirá a Orquestra e o Coro Gulbenkian e o elenco é este:
O Concerto de Ano Novo que hoje decorreu no Teatro Nacional de São Carlos foi o melhor início de ano que tive de há muito tempo a esta parte. A coisa explica-se facilmente: uma das maiores cantoras do mundo apresentou-se ali com um programa de arromba, daqueles que precisamente só uma das maiores cantoras do mundo poderia defender. Não apenas pela verdadeira proeza que é cantar completamente à vontade, e gloriosamente, algumas das mais difíceis e escolhosas árias de Verdi e de Puccini (a primeira da Lady Macbeth e o “In questa reggia” da Turandot), mas também pelo verdadeiro feito vocal que é afrontar, depois destes trechos, uma série de árias que obrigam a uma ductilidade, um lirismo, uma leveza de emissão e uma graciosidade que são o oposto musical, dramático e técnico das primeiras – ou seja, uma deliciosa série de páginas de opereta vienense e de zarzuela espanhola. Todas elas foram cantadas como poucas vezes ouvi (e já ouvi muitas!). À extraordinária e única realização musical a grande cantora aliou um completo à vontade e uma veracidade no domínio dramático que transformaram todos os momentos em actos únicos de prazer e de empatia.
Convém agora dizer que esta, que é uma das maiores cantoras do mundo, se chama Elisabete Matos, e que é portuguesa, e que tem nos últimos anos realizado uma carreira que a tem levado aos maiores palcos de ópera do planeta - e não vou nomeá-los para que este texto não se transforme num atlas mundial.
Elisabete Matos é portuguesa e sente muito, e adora, o seu país. O que poderia não acontecer, mas acontece. Prova disso é este concerto. Assim que se anunciaram os dramáticos cortes orçamentais que o São Carlos sofreu – como todas as instituições nacionais – logo Elisabete Matos se prontificou para oferecer ao Teatro um Concerto de Ano Novo cuja receita pudesse ajudar na difícil situação económica. Mais, pediu a um amigo seu, o maestro espanhol Miquel Ortega (que, diga-se, dirigiu fantasticamente o evento), que a secundasse neste gesto e viesse – também graciosamente – participar no concerto. Eu, tal como Amália Rodrigues, não gosto daquelas palavras ou frases muito “grandes” que correm o risco de ficar pequenas, mas atrevo-me aqui a dizer que só artistas com muita alma têm gestos destes. Isto não foi anunciado, obviamente, mas tinha de se saber. Eu sou português, caramba, e como elemento do Coro do Teatro não posso deixar de querer exprimir a minha comoção e o meu profundo agradecimento. Está dito.
Pois o concerto foi um sucesso extraordinário, como há muito tempo não se via em São Carlos. Para já, a tarjeta de “Esgotado” posta dias antes nos cartazes. E depois – e é isso que sempre interessa – a recepção do público; um público verdadeiramente emocionado, vibrante, prestando à cantora ovações delirantes. Foi um fim de tarde verdadeiramente histórico, e este é um Primeiro de Janeiro que nunca esquecerei por mais que viva.
Que fazem perante isto a televisão e a rádio estatais do país? Recorde-se que os contribuintes pagam uma estação televisiva de nome RTP2 que, segundo apregoam, é vincadamente dedicada à cultura, e pagam também uma estação de rádio estatal que há uns anos se dedicava à cultura, de nome Antena 2. Mas, mesmo assim, poderiam ter pensado, sei lá, que talvez fosse bom transmitir o concerto de Ano Novo de Lisboa. Pois não pensaram! Em vez de transmitir a verdadeira alegria que foi termos um São Carlos apinhado por causa de uma portuguesa que é uma das maiores cantoras do mundo, optaram pela transmissão do Concerto de Ano Novo de Viena - aquilo que, embora de grande qualidade, se compra empacotado, não dá trabalho, não faz pensar. Para eles o Chiado é menos português que a Annestrasse!
Cada vez me sinto mais ciceroniano: Até quando abusarão da nossa paciência?