2.5.12

"Evocação de Silves"

Saúda, por mim, Abû Bakr,
Os queridos lugares de Silves
E diz-me se deles a saudade
É tão grande quanto a minha.
Saúda o Palácio das Varandas,
Da parte de quem nunca as esqueceu.
Morada de leões e de gazelas
Salas e sombras onde eu
Doce refúgio encontrava
Entre ancas opulentas
E tão estreitas cinturas.
Moças níveas e morenas
Atravessavam-me a alma
Como brancas espadas
Como lanças escuras.
Ai quantas noites fiquei,
Lá no remanso do rio,
Preso nos jogos do amor
Com a da pulseira curva,
Igual aos meandros da água
Enquanto o tempo passava...
E me servia de vinho:
O vinho do seu olhar,
Às vezes o do seu copo,
E outras vezes o da boca.
Tangia-me o alaúde
E eis que eu estremecia
Como se estivesse ouvindo
Tendões de colos cortados.
Mas se retirava o manto,
Grácil detalhe mostrando,
Era ramo de salgueiro
Que abria o seu botão
Para ostentar a flor.

Al-Mu'tamid (adaptação a partir de várias versões de Adalberto Alves)

Nos anos 1930 e 1940, um organismo comummente conhecido como Monumentos Nacionais reconstruía tão bem castelos medievais que eles até ficavam a parecer antigos e verdadeiros. Actualmente, requalifica-se e esteriliza-se, como em Alcobaça, Guimarães e Silves. A ASAE dos monumentos e dos centros históricos limpa-os, deslava-os, bota-lhes candeeiros bem bonitos, modernos e originais.

Castelo de Silves (© IGESPAR)


O caso de Silves:
O interior do castelo era um jardim com árvores antigas, que foram cortadas para dar espaço a uma requalificação que levou anos a fazer-se. Quando as obras terminaram, o castelo teve direito a inauguração com a presença do senhor presidente da república. Ei-lo lá, acompanhado pela sua senhora.
Uma coisa correu bem: foram escavadas e postas a descoberto as ruínas do palácio almóada. Contudo, não teria sido necessário arrancar as pimenteiras-bastardas e os jacarandás que por lá abundavam. Nos seus lugares estão agora umas árvores jovens, em forma de pomar, numa espécie de recriação de um jardim árabe com cursos de água secos e pequenos lagos e fontes que não funcionam. Segundo consegui apurar, a água deveria estar em permanente circulação, não se tivesse dado o caso de a construção ter ficado defeituosa.
A cisterna da Moura não tem encanto nenhum. Foi "museologizada". Descemos as escadas para entrar nela e encontramos paredes e colunas cobertas de painéis informativos e fotografias que nos impedem de a ver e a despem de mistério.
Há por lá também uma cafetaria com uma grande esplanada, mas encerrada.
Queridos Monumentos Nacionais, voltai, que estais perdoados.

No Youtube: um vídeo dá uma ideia do desconsolo e um outro mostra imagens da inauguração do castelo requalificado.

12 comentários:

  1. Que medo do futuro...e do presente ...que medo!

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  2. Eu também fiquei algo decepcionado com o "vazio" do interior do castelo...

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  3. Na última vez que eu tinha entrado no castelo de Silves, já tinham cortado uma grande parte das árvores e o solo estava todo revolvido e decorriam as escavações na área do palácio almóada. Já tudo indicava que não sairia coisa boa da dita requalificação.

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  4. Lindíssimo, o poema, Paulo. Não o merece "este" castelo, renovelado (eu vi agora as duas ligações e saiu-me o "renovelado" ao ver aquelas gentes). Como diz Miguel, medo e medo deste presente e deste futuro. Insonsos, incultos, fazem as coisas à sua medida: só para dar nas vistas.

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    1. Há gentes que causam novelos no estômago.

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  5. Voltem, ai voltem e levem-nos, ai levem-nos!

    Lindíssimo poema! Lindíssimo. E a foto, apesar dos apesares retratados e descritos no teu post, também é bem bonita.

    Tudo, aliás neste post e neste blogue, a constratar com o resto: medonho! Medonho do medo do Miguel e do horrendo da bettips e do que eles são todos: hediondos!

    A Camila toma todas as noites, antes de dormir, uma pomada que visa destruir os novelos de pêlo que, depois de tanta e consecutiva lambidela, se tendem a formar no estômago.

    Creio bem que esta malta forma novelos quer no nosso estômago, quer por onde passa. É como os suga-energia. Está-lhes na natureza. Vai daí que a descoberta de uma pomada anti-novelo, ministrada com rigor, todos os dias, podia ser que os regenerasse e nos desse a nós algum sossego e sobretudo esperança num futuro mais risonho, já que exterminá-los ...

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    1. ... não podemos. Quem nos governaria depois?

      A foto é do IGESPAR, que eu não tinha a câmara comigo e nem me lembrei que podia utilizar um outro apetrecho que, para o efeito, também servia.

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  6. Que tristeza. Já há uns bons anos que não vou ao castelo de Silves, nem nunca visitei a cisterna. Tenho pena.
    E já pensaram se alguém se lembra de requalificar o castelo de S. Jorge em Lisboa e arrancar-lhe as árvores todas?

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    1. Deixa, Gi. Ainda não atacaram o castelo de São Jorge mas os candeeiros oitocentistas do Terreiro do Paço já foram à vida. Agora estão lá uns muito mais bonitos.

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  7. Estive lá na Páscoa e, realmente, notei a diferença no local (não ia lá há anos). Realmente, estranhei o facto do café não estar a funcionar, mas também estava a cair uma granizada terrível.

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    1. O dia até estava de sol, mas a cafetaria está sempre fechada, até que alguém um dia talvez pegue nela.

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  8. Mais um castelo esventrado, como infelizmente acontece com tanto do nosso património histórico.

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